ALÇAPÃO
Contos  |  Segunda-feira, 20 Fevereiro, 2023 11:05  |  Visitantes e Leitores: 1549  |  A+ | a-
Dr. Dirceu Badini
Que moleque de roça nunca teve gaiola com passarinho? E, se teve, quem nunca arrumou ou construiu um alçapão, colocou-o com dois ganchinhos de arame dependurado num dos lados da gaiolinha “de chama” e a armou numa árvore qualquer ou ancorada num prego em algum lugar?
No meu tempo o passarinho mais apreciado era o canário da terra. Não me lembro de ter tido alguma vez canário do reino ou qualquer desses pássaros em cativeiro. Os tempos eram outros e lá havia avinhado, azulão, pintassilgo (pintassilva, como era conhecido por nós), patativa, sabiá. Monte de variedades.
Para quem tinha um viveiro, como no meu caso, era válido colocar ali qualquer outra ave: inhambu, rolinha, sanhaço coleiros ou qualquer outro, desde que não fosse coruja, caburé ou gavião, pelo óbvio.
Tanto as nossas gaiolas quanto os viveiros eram fabricadas por mim e Guilherme. Vovô sempre me arrumava alguns pedaços de madeira na serraria para fazer a estrutura. Construíamos de baixo do assoalho da casa grande, bem próximo da beira para apanhar sol pela manhã. A tela era o grande problema e não tenho muita ideia de como a conseguíamos. Provavelmente o tio Nelson entrava nessa de nos doar, já que ele era comerciante e sempre nos fazia presentes de caixotes para aproveitamento da madeira.
Das gaiolas e dos alçapões eu me lembro bem. Eram sempre construídos de bambu murcho (muxiba). A muxiba era o bambu ainda novo, com poucas fibras e que secava. Tornava-se macio e as varetas de bambu, feitas dos maduros, penetravam nele com a maior facilidade. Raramente usávamos ubá ou o talo das folhas da imbaúba por serem mais difíceis de conseguir na nossa região. 
O alçapão era também feito com um desses materiais. Quatro pezinhos geralmente de arame e se montava o esqueleto como se fosse uma caixa, totalmente envaretada. A tampa, na parte superior era dotada de um sistema muito primitivo de gatilho. Funcionava. 
Quando o besta do passarinho vinha brigar com o outro dentro da gaiola e o invasor do seu território via a canjiquinha no fundo do alçapão, "revolvia" roubar um pouco e... Pronto! Ficava lá depois que a portinha fechava, acionada por um elástico ou simplesmente pelo peso de um caco de telha fixado sobre ela.
Às vezes havia os briguentos que não comiam a canjica. Só queriam sair no pau. Macete: colocar um pequeno espelho no fundo do alçapão. O idiota se via lá e pensava (será que canário pensa?) ser seu inimigo e descia cheio de gás para dar o maior cacete nele. Pronto!
Um dia alguém descreveu para nós um alçapão falso. Automático! Ele se rearmava depois de pegar um passarinho. Putz! Genial! No tradicional, todas as vezes que um passarinho caía na armadilha, nós tínhamos de ir lá, retirá-lo e armar de novo. Com esse novo não, a gente podia deixar lá, tranquilão, ir brincar com outras coisas e à tarde ou depois do colégio ir buscar a gaiola cheiinha de canários. Uma verdadeira revolução nas artes da sacanagem pra cima dos bichinhos. 
Parti para fazer um. Nunca tinha visto, mas sabia que ele teria a forma de um triângulo, envaretado por cima, por baixo e também nas laterais. Para trás, saía um pedaço de imbaúba e na sua ponta era colocado peso para equilibrar o sistema. Negócio meio complicado. Quando o pássaro pisasse no assoalho do aparelho para comer uma irresistível canjiquinha vermelha, seu peso o desequilibraria e ele desceria com ele. Assustado, naturalmente, voaria para dentro da gaiola e, agora mais leve, aquele conjunto subiria e estaria pronto para outra pega. Um espanto…. Na teoria!
Só que eu me esqueci de alguns detalhes importantes. Sempre fui assim, se desejo fazer alguma coisa: tem de ser e rápido. Ainda não perdi essa mania e agora, quem aposta que vou me afastar dela?
Naquele fabricado as presas ficavam todas juntas com a chama dentro do mesmo compartimento da gaiola. Já aí havia um grave erro, pois se ela tivesse companhia não chamaria nenhum outro e provavelmente sairiam para um tremendo quebra-pau lá dentro.
Bem, fiz aquilo, coloquei as taras para equilibrar; calculamos mais ou menos o peso de um canário e testamos. Era só colocar um pedaço leve de qualquer coisa lá e o treco funcionava nos trinques. Retirava e ele retornava a sua posição original. Nós estávamos exultantes com nossa inteligência! Ninguém nos igualava no mundo. Perda de tempo discutir isso!
No dia seguinte armei aquela coisa estrambótica na janela do paiol. Havia ali em frente uma grande árvore nascida e presa às fendas da pedreira. Imaginei a gaiola cheiinha de canários amarelinhos. Ali era bater e valer. Nunca falhou.
Fui para o colégio e quando voltei nem procurei comida, como era de costume. Corri direto pra lá. Pô! Nem o meu “chama” estava na gaiola. Vazia, vazia! E o imbecil do alçapão falso no meio do caminho: nem aberto, nem fechado. Meu canarinho amarelo aproveitou-se da deixa... Deu no pé – quase certo – soltando o seu mais lindo e livre canto sem antes ter cruzado as asinhas para me dar uma baita e merecida banana. 
Bem-feito!
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