Crônicas|
Quinta-feira, 19 Janeiro, 2023
9:17
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Dr. Dirceu Badini
Gosto de marcenaria. É um dos meus muitos hobbies, mas sob uma condição: gosto de trabalhar a madeira quando estou com vontade, senão deixa de ser hobby. Não sou dos piores, deixando de lado a modéstia, daria nota entre seis e sete, em comparação com alguns profissionais e estou melhorando a cada dia. Mas repito: somente faço aquilo que estou com vontade, só quando realmente quero. Acho que a felicidade completa estaria com uma pessoa que pudesse viver assim, mas como podem reparar e de acordo com a teoria do baita filósofo moderno Badinão, não há ninguém completamente feliz no mundo. Pena!
Dia desses a Isa pediu-me para fazer um cavalo de pau para colocar no parquinho que ela está organizando lá no sítio. Ela vive procurando no ferro-velho coisas para serem aproveitadas e transformadas em outras. Se ela achar uma mola helicoidal quebrada de automóvel, já vê nela um cavalinho. O Pulguinha já até propôs para que comprasse o local, tanto ela o frequenta.
Conseguiu a dita mola e me pediu para fazer um cavalo para as crianças balangarem. Nada difícil, era só esperar a vontade chegar. E aconteceu naquele final de semana.
Começamos eu e o Alexandre, meu auxiliar lá no sítio. Ele é ativo, inteligente, mas fala pouco, opina muito menos e tem a mania de concordar com tudo que eu faço. A primeira parte foi mole: fazer o corpo de um pedaço de paraju, sobra de alguma obra anterior. Depois teríamos de criar a cabeça do cavalo. Ficaria para o dia seguinte, pois agora naquela época do ano anoitecia muito cedo.
Mas sou bastante ansioso quando desejo uma coisa, herança do velho João, sem dúvida. De noite tentei adiantar o serviço desenhando uma cabeça de cavalo no tamanho ideal para no dia seguinte somente riscar sobre uma tábua e cortar. Mole? Pensei que fosse!
Eu sou péssimo – bote péssimo nisso – para desenhar. Desenho geométrico ainda vai, mas à mão livre, saia da frente! Pedi a Cida para me ajudar. Pior do que eu! Seu desenho mais parecia uma foice do que cabeça de cavalo. Até a Izamar, sua filha de quatro anos tentou, mas saíram no máximo umas linhas sem nenhum nexo. Experimentei copiar de umas revistas rurais antigas, já que ali não faltavam fotos de cavalos. Tinha de ser ampliada e não existia uma única régua naquela casa. O jeito foi partir para uma figura estilizada, com linhas retas e até que não ficou ruim. Eu gostei!
No dia seguinte fui para a oficina e novamente com Alexandre demos início ao trabalho, passando um pedaço de cedro várias vezes na desengrossadeira até obter a espessura desejada. Aí pegou! Eu não conseguia repetir aquela cabeça de jeito nenhum. Risca pra cá, risca pra lá, até achar um modelo que parecia estar bem. Mas somente depois de recortado eu vi que aquilo não se parecia nada com a dita cuja. A primeira impressão que me passou era do monstro do Loch Ness. Meu Deus do Céu!
Perguntei ao Alexandre se estava bom: disse que sim. Eu já sabia. Ele nunca diria não. Lixamos, tiramos um pedaço de um lado, um pouquinho mais do outro, e aí ele resolveu abrir a boca e disse que, depois de colarmos as orelhas, melhoraria. Bem, se melhoraria, era porque não estava realmente bom. Elementar, meu caro! Colamos e ele opinou que eu as inclinasse um pouco mais para frente. Concordei e depois que tiramos o grampo, vi que aquilo era mais parecido com um cabrito ou uma gazela assustada do que com cavalo.
Perguntei ao Alexandre se nós não deveríamos furar com broca o lugar dos olhos. Poderia dar outro aspecto, melhorar o modelo. Ele sugeriu ser “melhor deixar para Dona Isa pintar”. Disse-lhe então que as narinas a gente poderia, porq... Nem esperou que terminasse. Também deixar para ser pintado pela Isa. Entrei em crise! Aquilo estava mesmo uma droga. Até o Alexandre estava com a intuição de que o trabalho só poderia ser salvo pelas mãos da Isa. Deu-me a clara impressão de que ele estava apostando todas as suas fichas nesta hipótese. Ele nunca falou tanto! Bem, fazer o quê?
Pensei: levaria aquilo para casa e a Isa opinaria. Bobeira! Ela jamais reclamou que as minhas obras estivessem umas drogas. Ela pega, examina e até elogia, “tá uma gracinha, ficou muito bom, gostei!” E depois cai numa gargalhada incontida, ri de não poder mais da asneira que fiz. Criatividade em arte... Sou zero à esquerda.
Tracei a minha estratégia. Vou colocar aquilo na caçamba do Saveiro e chegando à garage, finjo que estou apertado, corro ao banheiro e ela terá tempo de encontrar o que deveria ser um cavalo de pau. Entro e fico olhando sua reação pela seteira que dá pra fora, onde está o carro.
Surpresa: não deu uma única gargalhada, gostou mesmo daquele monstro e tratou logo de ir pintando a peça. Será que essa pressa toda não fosse para ninguém mais ver como aquilo era originalmente? É possível! Ela nunca vai confessar!
No dia seguinte eu estou no micro fazendo não sei o quê. Entra o meu genro, bem sério, senta-se ao meu lado e me detonou:
– Depois que a dona Isa pintou e colocou a crina, aquele cabrito que o senhor fez ficou bem-parecido com um cavalo!
Era só o que me faltava!