Contos|
Quinta-feira, 19 Janeiro, 2023
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Dr. Dirceu Badini
Tive que baixar ao hospital. Da Unimed, claro! Fui operado de quistos nos pés presenteados ao digníssimo aqui pela sua gota crônica, um dos resquícios da minha herança genética atrevida. Somente, papai e eu, a tivemos. Sortudos!
Como foi a minha primeira vez, não fui para lá na esperança de me recepcionarem com champanhe, caviar ou uma festança digna dos Césares. Tinha noção dos eventos para uma cirurgia praticamente sem nenhum contratempo, mas quando eu as praticava nos outros me sentia mais à vontade. Enfim, estava lá anônimo enfrentando o bisturi. Comportei-me como um herói com “aquilo roxo”, sem reclamações ou quaisquer impertinências que pudessem manchar a minha bravura. Macho pra burro!
Tudo terminado, fui para o apartamento. Também como eu esperava: digno de um cara sem temor que apesar de as pernas anestesiadas ainda por algum tempo, não chiou de nada, já que, sabidamente, homem para enfrentar médicos é uma chatice.
Então apareceram os senões. Eu deveria ter sido mais esperto, ter ao menos desconfiado que aquilo era um hospital, mas não consigo: continuo ingênuo. Soro correndo na veia sem parar, vai acabar por me encher a bexiga e teria de a esvaziar. Isa procurou a enfermeira para levantar-me e ir ao banheiro.
– Não pode. Ordens médicas. Repouso absoluto. Tem que fazer no pato.
– No pato?
Não tinha a mínima noção do quem se tratava. Então, chegou uma enfermeira muito bonita, simpática e com um saco plástico com algo dentro para mim. Olhou-me e sorriu. Eu não achei graça nenhuma, mas vou ferrar com ela, vai ver:
– É você quem vai botar o pato em mim? (Vai ficar perturbada, pensei.)
– Se o senhor quiser, estou à disposição! (Tremenda saia justa pra cima do neófito). Agradeci e ela então desembrulhou o bicho. Realmente o negócio se parecia com aquela ave, com um pescoço extremamente grosso e sem cabeça. Disse-lhe:
– Tenho que enfiar o… o… o “trem” aí? Resposta afirmativa, retruquei:
– Não vai caber. Muito apertado este buraco!
Caberia no mínimo uns dois na situação em que o meu se encontrava naquele momento. Deixou o treco ali e saiu rindo. Voltou algum tempo depois para saber como foi:
– Raspando! Por pouco, disse-lhe. (Não vou entregar a rapadura assim de graça!).
Pois acreditem! Toda às vezes que eu precisava usá-lo, era a mesma lida. O “trem” sumia! Procura daqui, procura dali até localizá-lo tal como uma tartaruga, em desespero, esconde sua cabeça. Travava no pescoço dele e puxava. Resistia com a disposição de um covarde. Se conseguia escapar, voltava que nem uma tira de borracha. Até prender e o manter firme para executar uma das suas principais tarefas.
Não há coisa pior do que mijar deitado. Todos aqueles momentos eram um suplício, já que a minha impressão era fazer na cama. Na verdade, segurava ao máximo e torcia para que aquela noite acabasse logo. E a implicante foi a maior das que já tive. Como demorou a clarear o dia! Dei graças quando ouvi o piado da pomba-trocal e logo após o canto melodioso de um sabiá-laranjeira.
Tem mais! Pela madrugada me recorri ao pato mais uma vez. A Isa foi pegá-lo no banheiro, voltou rápida e fechou a porta. Segundo ela, havia um morcego lá… Descansando dentro do meu pato! Imaginem se ela não o vê? O pinto (ora, já estamos mais íntimos, não é?) não tem nenhum juízo, se meteria ali para dentro e levaria uma bela mordida na careca. No mínimo eu ganharia mais uns dias de internação e… Tome pato!
Não era morcego, só uma mariposa. Gosto duvidoso. Se estivesse imaginando um belo affaire, se danou. Deveria procurar um macho da sua espécie, não eu. Mas até que isto se esclarecesse, vieram mais duas enfermeiras para atracar com o bicho, mas uma disse ser aquele trabalho para um homem. E ele apareceu equipado e saiu de lá com a bichinha presa num saco plástico.
Depois fiquei imaginando se acaso o pinto se liberasse da sua inibição e resolvesse achar que aquilo fosse uma nova, desconhecida opção sexual e se empolgasse? Fantasia dele, quem sabe? Nós teríamos uma emergência: um pato engasgado, um pinto entalado e o machão aqui com aquele mostrengo pendurado.
Nada estava dando certo. A melhor coisa foi a cirurgia. Definitivamente não gostei muito da minha primeira experiência num hospital como paciente. Pelo menos o pato deveria parecer-se como tal, com pescoço, cabeça, bico avermelhado, olhinhos azulados e ter a entrada lá por atrás onde sempre foi e assim diminuiria o impacto, pareceria mais normal. Quem sabe? Alguém mais tarado poderia até gostar (kama sutra, edição século XXI?). Você já se imaginou num hospital, aporrinhado e ainda ter que enfiar o palavrão pela goela de um pato horrendo e sem cabeça? É pra leão.
Por favor: se alguém souber de um especialista em “patosfobia”, me indique. Estou necessitando com extrema urgência.