DON'ANNA
Crônicas  |  Quinta-feira, 14 Julho, 2022 19:36  |  Visitantes e Leitores: 1708  |  A+ | a-
Dirceu Badini

Há muitos anos fui caçar com meu tio Pedro no alto de uma serra. Lá naquelas grimpas havia indícios de uma grande casa de fazenda, pois jaziam no meio da mata, já restabelecida, as ruínas do que foi, provavelmente, um grande terreiro para secar café.
Naquela época e naquela idade eu não me atentei em mais nada senão praticar uma das coisas mais abomináveis: caçar! Que me desculpem os amantes do “esporte”, mas é inexplicável!
Recentemente me recordei de lá, lembrei-me do Tipedro e tive mais uma vez a certeza de não gostar do passado. Serviu-me, novamente, para sentir uma grande saudade de uma pessoa mais do que adorável, serviu para me culpar por não ter aproveitado mais o meu tempo ao seu lado, ter convivido mais com ele e serviu também para reacender o tremendo remorso dos bichos que já matei. Definitivamente, não gosto do passado!
Ali deve ter vivido muita gente. Com certeza houve muita vida, fervilhado de vida. Muitos amores, muitos dissabores; quantos desejos, quantos sucessos; quantos ideais alcançados e tantos outros deixados; quanto riso e quanta tristeza; quantos nasceram e tantos morreram. E alguns passaram ao léu das oportunidades desprezadas e não fariam nenhuma falta ao mundo se não tivessem existido.
Entremeadas a tudo isso, grandes festas, bailes engalanados nos salões da fazenda toda iluminada pelos candeeiros, lampiões e grandes tochas atadas aos postes lá fincados para as grandes noitadas. 
Numa dessas, o primeiro baile da menina-moça Anninha. Já com idade suficiente para os padrões da época poderia, pela primeira vez, participar da dança. Até tantas horas dançaria a seu bel-prazer. Viriam rapazes já anteriormente combinados pelos pais para a sua companhia e das outras mocinhas presentes.
Assim aconteceu. Dançou muito, rodopiou, sofreu também alguns esbarrões pela sua inexperiência ou pelo teor de vinho de alguns adultos que bailavam no grande salão. Num daqueles, apesar da dança à distância, sentiu os seus seios tocarem o peito do cavalheiro e as suas coxas se entrelaçarem por um instante. Ruborizou-se e seguiu adiante com leve e ainda inocente sorriso.
Ao deitar sentiu os seios doloridos. Imaginou ser do tranco que o par levou daquele casal mais entusiasmado. Levou a mão e apalpou-os duros e deliciosamente dolorosos. Ainda mais os acariciou e notou um pouco de líquido brotando dos mamilos ainda pequenos, arroxeados e rijos. Uma sensação estranha invadiu todo o seu corpo, misto de arrepio e tremor, um frisson nunca antes experimentado. Assustou-se, mas um impulso maior, incontrolável e até insensato, a obrigava continuar com os afagos. Aquelas sensações inebriantes, indefinidas e extasiantes estavam num crescendo incrível.
Agora todo o seu corpo se contorcia, humores inundavam o corpinho ainda virgem, algo estranho estava possuindo aquela menina-moça e instintivamente, sem nenhum controle, levou seus dedos às partes mais íntimas e ainda nunca tocadas e sentiu todo seu organismo explodir numa volúpia incontida.
Estrogênio em overdose! Agora todas suas glândulas se esmeravam para lhe proporcionar o mais belo espetáculo da sua nova vida. Mensagens e mais mensagens químicas estavam sendo disparadas e recebidas. Anninha se descobriu! O show da vida estava começando! Apenas começando!
Ondas e mais ondas do algo nunca sentido antes varriam seu corpinho já modulado para ser mulher; respiração entrecortada, ofegante; vontade de gritar, gemidos baixinhos e incontidos, dentes apertados; a cabeça se agitando de um lado para o outro sem nenhum controle; olhos fechados, pálpebras trêmulas no agitar incomum e o coração disparado espargiam emoções. Tremores, arrepios, sutis contraturas! Acariciava-se cada vez mais. 
Era como se uma virtual orquestra estivesse em franco, vibrante e crescendo alegro. Não se continha e não sabia reagir senão aos seus instintos. Cada vez mais queria viver e intensificar aquele momento primeiro da sua existência. Mais e mais se excitava. De repente, no auge de tudo aquilo, foi possuída de uma prostração incrivelmente mágica, de uma paz duradoura. O corpo todo relaxado, inerte e úmido parecia flutuar, braços jogados displicentemente para os lados, cabeça pendida, cabelos desguedelhados, olhos ainda fechados, pálpebras calmas mostrando nos cantos o rastro molhado de uma lágrima doce e os lábios úmidos, ligeiramente entreabertos encerravam com um grande finale o espetáculo, o gozo e a candura eterna do primeiro e mágico evento. Extenuada, dormiu e sequer sonhou.
No dia seguinte todos já notaram a menina Anna diferenciada, solta, leve, encantadora. Divinamente transformada. Cochichos e risinhos dos familiares imputaram ao provável amor surgido na dança no baile da noite anterior. 
Ah! Não foi! Um valor mais forte se revelou à mocinha e assim a vida continuaria. A espécie seria perpetuada, genes transferidos e incluídos, a família não pereceria e se eternizaria o ciclo. Casaria mais tarde, se transformaria na Don’Anna e dela nasceriam filhos, meninos, meninas, depois adolescentes e quando adultos compartilhariam também, teriam filhos, caminhariam pelo tempo que as suas vidas permitissem e, velhos, morreriam.

Maio 2007
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