Não gosto de viajar. Mas, pô! Todo mundo gosta, logo deve haver algum encosto, mau-olhado ou coisa semelhante comigo. Isto atazanou a minha ideia numa madrugada qualquer acordado na marra pelo canto dum impertinente sabiá que cismou acordar cedinho, cedinho, pousar na árvore mais perto da janela do meu quarto lá no sítio. Saco!
Na verdade, comecei pensar no porquê de não gostar de viagens naquele momento em que eu queria estar bem longe, bem longe mesmo daquele passarinho cri-cri. Pensei, pensei e achei por bem aguentar a farra do bicho. Ele devia estar muito alegre para acordar tão cedo e cantar daquele jeito. Bem-humorado. Benza a Deus!
Pratiquei em mim uma bela lavagem cerebral e até já estou achando que ele canta legal, não desafina, não precisa de regente e é fiel à partitura, sempre repetindo os mesmos compassos. Ah! E também porque viajar é muito pior do que tolerar canto de passarinho. Na minha visão, claro.
E naquelas reflexões eu acabei desconfiando ser o meu problema, dentre uma penca de outros, trauma na infância (também, grande descoberta: tudo é!). Lembrei-me das viagens que nós fazíamos quando eu era moleque lá na roça. A que quase todos faziam, programa de índio: andar a pé ou de a pé, como dizem alguns outros brasileiros. Aquele bando de gente pelos caminhos poeirentos de dia ou de noite e ainda ouvindo sempre a advertência insistente dos marmanjos: cuidado com cobra! Mole? (Tenho horror de cobras! Pudera!)
Outras vezes eu era escalado para fazer companhia a minha avó Zipina em alguma marcha a cavalo. Ela tomava o posto principal. Era o piloto. Sentava-se na sela, pegava as rédeas e com uma varinha de bambu na mão direita só para impor um pouquinho de respeito ao velho Bainho, o nome do cavalo ou a marca do veículo, como queiram. Eu me alojava no assento do carona... Lá na garupa, sentado em cima da bunda do cavalo. Bunda com bunda. Cortando o barato de algum maldoso, não havia perigo algum! O cavalo era capão e eu não era e continuo não sendo chegado. Garanto!
Ah! Eu nasci em época errada, gente! Hoje vejo tantas meninas viajarem nas garupas das motos. E que pitéus! Agarradinhas, ralando outras coisas com outras coisas... Virgem Santa! Mas, oh! Deus sabe o que faz. Acho que eu nem me criaria. Morreria cedo, cedo! Hem? De tísica, ô mané!
Vovó só andava no Bainho. Se a viagem fosse muito longe, em cima da carroceria do caminhão, agarrada ao malhal ou então, bem mais tarde, no fordeco, mas se eu dirigisse. Não confiava muito nas habilidades do velho “Racing-car Jão”. Ela enjoava muito, coitada!
Retirava-se o rabicho da sela para não machucar o rabo do cavalo e nem o meu tão pouco, dobrava-se um saco de estopa e o babaca aqui sentava em cima, com as pernas abertas, enganchado. Sabe como é? No início, tudo bem, mas com o tempo e de acordo com a marcha do cavalinho, eu ia gingando de um lado para o outro, pois ficava sentado logo em cima da anca, no cocuruto daqueles dois ossos, abaixando e levantando alternadamente. Mais ou menos parecido, num ritmo mais lento, com o rebolado das meninas dos grupos de pagode. Não tão eficaz, naturalmente.
Daqui a pouco, camarada, a pele começava a ralar, esquentar, aparecia calo d’água, esfolava e junto com o suor do cavalo, dava de arder a retaguarda... Ninguém pode imaginar o suplício. Quando nós chegávamos ao destino eu descia de lá e custava a me aprumar, ficava um bom tempo meio arqueado, andando esquisito, travado, a região do esgoto ardendo que nem pimenta braba e a popa pegando fogo.
Presumo que todos da casa me achavam muito estranho, antipático e outras coisas mais, pois não conversava, ria ou participava de alguma outra reunião, ficava arredio, mas como podia ser diferente? Dá pro sujeito ter alguma alegria, ficar feliz com o rabo ardendo daquele jeito? E tem outra coisa: na minha cabeça não rolava nada mais senão imaginar a volta pra casa! Santo Deus!
Eu tenho ou não o direito de ter traumas da infância? Pensa que acabou, que é só essezinho aí? Tem muito mais! Fartura, ó!