Fiz aniversário recentemente. Não ligo muito para comemorações, salvo quando era garotão e queria por que queria alcançar os dezoito anos. Parei pra pensar. Setenta e dois anos! Tempo pra chuchu e me deixei relembrar de algumas coisas que não me pareciam ter tanto tempo e quando você volta o filme as cenas já se modificaram.
Brinquei muito. Não pude e nem posso agora ter qualquer bronca da minha infância e pré-adolescência. Tive duas famílias unidas e presentes em todas as minhas vicissitudes, sabidamente nem tantas assim. Diziam.
Não havia o tão sombrio futuro das drogas e outras impertinências de uma minoria de adolescente de agora, mas já havia a preocupação do meu pai quanto a fumar. Não adiantou, como os de agora. Quis saber porque ele falava tanto naquilo e fumei muitos anos. Arrependido? Neca! Depois de saber e ter consciência da sua maléfica atuação em nosso organismo, parei.
Foi fácil? Foi não. O meu cérebro precisava muito do fumo. Às vezes nem tanta culpa tinha, pois a minha fábrica de produtos bioquímicos veio já com o setup definido e necessitando de algumas das sei lá quantas substâncias das quais o tabaco é composto. Ao meu cérebro, induzi acreditar não ser necessário aquele prazer fugaz sentido numas tragadas em troca das possíveis tragédias com o resto do organismo no futuro. Fiz sentir-se egocêntrico e indigno da sua responsabilidade na manutenção da nossa vida. Fiz sentir-se um timoneiro valente e audaz. Sabe? Deu certo!
Adolescência. Quase todo mundo chia, reclama, lança as suas frustrações nos pais ou professores, em qualquer outra coisa menos que seja ele o próprio. Foi ótima para mim. As coisas de que eu mais gostava na fazenda já não me interessavam então. Substâncias estranhas ao meu organismo e injetadas lá à minha revelia por glândulas até então adormecidas, iniciaram a grande farra do réveillon da nossa vida em que não sabemos nada e nem por isso nos mancamos. Somos os donos do mundo. Queiram ou não. O que esses “merdões” mais velhos fizeram até agora para sentirmos melhor? Por melhor que a situação de um adolescente esteja, parece-lhe um bagaço. Tripa de frango.
Não tinha quase nada naquele período, eu e meus hormônios, mas já estava fora da minha casa a partir do quatorze anos buscando estudar, abrir o meu cérebro, esticar cada vez mais as perninhas dos meus neurônios para que assim eles me permitissem alcançar objetivos e dar passos mais longos. E ainda foram pequenos, não bastantes representativos do tanto oferecido.
A primeira namorada foi bastante inusitada para um moleque de quinze anos (à época). Atraía-me o sexo oposto, claro, mas a quebra da timidez de um roceiro saído há cerca de dois anos foi gratificante, excitante. Senti-me não mais pertencer àquele mundinho até então venerado e tido. Comecei a ser homem, a ser um meio adulto indicando a direção do seu rumo para outras coordenadas (sem ter ainda a consciência de já estarem definidas).
Muitos anos depois me casei com a Isa, natural, por estranha coincidência, da mesma cidade onde eu tive a minha primeira aventura de “ficar” com uma também adolescente.
Tivemos nossos filhos. Fizemos tudo que julgamos o melhor, como acontece com quaisquer pais para com os seus descendentes. Hoje já temos netinhos que nos encantam e fazem rebrotar em nós alguma coisa sonhada e não concretizada.
Putz! Setenta e dois anos. Não consigo acreditar estar ainda aqui. Tanto tempo! Não consigo imaginar tudo aquilo me proporcionado nesse tempo. Alegrias? Quantas, quantas e quantas. Frustrações? Quantas. Fracassos? Nenhum que não pudesse ter sido prevenido. Voltar? Pra que? Posso? Estou muito bem assim. Não quero e nem preciso de nada. Foram setenta e tantos anos vividos e bem vividos dentro daquilo mais ou menos previsto para mim. Ninguém nasce sabendo o que será, mas a vida atual obriga muito cedo a nos arriscar por caminho nem sempre o ideal para a configuração que o seu cérebro já ganhou na concepção.
Fiz uma pausa aqui. Está chovendo e me lembrei das gotas da chuva caindo nas palhas do milho e eu brincando com o barulhinho provocado. Tentava adivinhar se o som do próximo pingo seria fino ou grosso. Lá no Buracão! Quase setenta anos distantes do ocorrido. É muito tempo, gente!
Hei! A Terra gasta um ano para dar uma volta ao redor do sol. Então eu somente dei setenta e duas voltas e queimei tudo de direito? Que isso, Deus do Céu? É muito pouco! No contexto do universo é titiquinha. Não, não estou satisfeito com este tempo! Quero, sem exigências outras, dar mais umas voltas.
É incrível imaginar. Durante esse tempo fiquei vagando junto com tudo aqui existente só por setenta e duas voltinhas? Desculpe-me a minha falta de constância e inconsequência pelas coisas ditas acima, mas eu quero dar mais umas... umas... Cem. Vou pagar com a vida essas michas setenta e um pouco mais de voltas? Tenha dó! Ta muito caro. E o abono? Férias? Décimo terceiro? Fundo de garantia? Nada disso vale? No cartão, o prazo espicha?
Inegociável. To ansioso!