Fui ao médico. Pois é! A gente vai descendo a rampa e deve reparar ou prevenir algum mal. As pessoas, de uma maneira geral, não gostam de ir ao doutor fazer a manutenção da sua máquina, mas leva o seu carro quando o fabricante determina. Maneira de pensar de cada um. Pensar Fui ao médico. Pois é! A gente vai descendo a rampa e deve reparar ou prevenir algum mal. As pessoas, de uma maneira geral, é uma dádiva que todos temos, livre, à vontade, sem censura ou qualquer outro tipo de pressão. Jeitinhos malandros criados por humanos podem impedir-nos de exercer ou externar o que pensamos. Só isso. Acho que é a única coisa que realmente nós temos o total controle para exercitar. Todos pensam e ninguém pode impedir. É muito íntimo e pessoal.
Li pouco tempo atrás considerações de um clínico com um senhor currículo. Ele contestava alguns atributos dos tratamentos modernos e eu concordei na maioria dos itens com ele. Mas isso não cabe aqui.
Bati lá no consultório do meu amigo Moreira que deve detestar-me como cliente. Ano passado fiz os exames complementares que normalmente ela solícita, coloquei-os numa gaveta e quando dei por mim já havia passado um ano e lá vai fumaça. O tempo está passando muito mais rápido, verdade?
Fiz tudo de novo e fui pra lá. Atendeu-me, como sempre, daquele jeito: examinando da cabeça aos pés. Olhou até meus olhos! Mede pressão num braço; mede no outro; dá bordoada em cima dos rins e ainda pergunta se dói; pesa, verifica altura, ausculta tudo que você tem e que pode ser ouvido, enfim, aquela enorme rotina da qual ele não abre mão e sabe muito bem o porquê.
Então vêm os comentários: pressão não está essa coisa; colesterol idem, açúcar perigando…. Aí eu medrei! Tenho um respeito de pelar do diabetes. Não sou muito ligado no tal do colesterol. Engraçado! Não me lembro de ter lido nenhum trabalho sério sobre defensivos agrícolas ou tratamento químico das águas cheias de organofosforados e outros venenos mais. Nosso corpo e tudo que usamos para mantê-lo são constituídos de mais de setenta por cento de água, a não ser que alguém coma pedra ou ferro. Essa imundice toda vai aos mais íntimos departamentos do nosso corpo levada pelas artérias e capilares. Será que não é nada prejudicial à saúde delas? Gordurinha no sangue a gente tem desde quando nós nem éramos humanos ainda. Olhe! Aposto que debaixo desse angu tem carne!
Então o Moreira apresentou-me uma dieta. Lembrar-se de dieta já dá dor de estômago, mas aquela tabela era até muito bonita, impressa em cores, num papel brilhante de excelente qualidade. Havia no lado esquerdo três colunas divididas em quatro setores: café da manhã…. Nos dias atuais todos já sabem do que eu estou falando.
Não tive bronca dela não. Onde exemplificavam a carne havia uma figura de um pedaço enorme mais parecendo uma alcatra inteira; o prato de arroz era uma verdadeira montanha; queijão mineiro empolgante; verduras lindas e verdinhas; frutas e mais frutas…. Vou deitar e rolar. Dieta assim eu deveria fazer há anos, vacilou o besta aqui. Algumas criaturas gostam de ser enganadas em certas ocasiões. Assim, descarta a responsabilidade e a manda pras picas.
Moreira olhou-me por cima das lentes dos óculos – mania dele – e disse para eu assumir o compromisso com aquela do meio. Ah! A gente percebe quando uma pessoa olha pra você, propõe uma coisa, mas quer ouvir outro argumento. Há pessoas que falam com os olhos, já perceberam? Juro que ele queria ouvir: vou encarar a primeira!
É “bacho”, como dizia o meu venerado Tipedro. Eu, macaco velho, fiquei na minha: concordei sem falar nada senão ele mudaria. Tenho certeza! Se eu desse mole, ele me pegava pelo pé; me ferrava.
Prescreveu uns medicamentos e fui para casa. Então fui ler com calma a maldita. Aquele desenho que eu disse lá atrás – confirmo – tudo bonitinho, mas no outro lado da página estavam as regras. Rapaz! Sufoco total! Do queijo, eu só podia comer uma talisca que eu não sei se poderia ser cortada com uma faca comum. Carne: cem gramas. Dez uvas! O que podem fazer dez uvas numa pança dessas? Tá doido! E por aí a coisa vai, cada vez mais tenebrosa que nem gosto de lembrar. Parei de ler.
Ah! Tem mais: ele me botou na parede, o malvado do baiano! Se eu não fizer nos trinques a dieta e o tratamento, para de tratar diabetes.
Estou eu nem querendo olhar para aquela dieta mão-fechada quando o telefone toca e escuto sua fala com aquela entonação cansada de todo bom baiano:
– Amiiiigo! Se você fizer com capricho aquela dieta nem vai precisar tomar remédio. Dieta e exercícios. Aposto que não terá mais problema nenhum com o diabetes.
Eu queria ter ouvido: para a dieta e toma os remédios. Mas nada disso! Manteve-se firme. A partir de agora, me encontro classificado em outra espécie de mamífero: cavalo. Contentar-me em comer mato e trotar todo o tempo que ainda restar da minha vida. E tem mais: não posso comer capim à vontade não! Cavalo pode.
Mas se eu seguir à risca aquelas recomendações não vou morrer nunca de diabetes, pressão ou de outras basbaquices. Tenho certeza. Vou morrer muito antes de fome, inanição, magrelo, esquelético.
Pior! Algumas línguas maledicentes ainda farão juízo de mim:
– AIDS! No duro! Velho safado, sem-vergonha!
– Nada disso! Velho malcriado! Aqui, ó! É a mãe! A mãe, tá? Filhote de cruz-credo!