Decio O. Elias
A velha senhora mexia calma e cuidadosamente o grande caldeirão fervente, repousado sobre uma fogueira de lenha seca, em um daqueles dias comuns das cercanias de Londres, bastante úmido e frio, onde o sol apenas se mostra umas poucas vezes ao ano e onde o frio intenso é a única característica das quatro estações. Seu nome era pouco conhecido, quase misterioso, raras pessoas o pronunciavam. Seu rosto enrugado era escondido pelo capuz que a protegia do frio e dos olhares curiosos. Não se sabia se tinha família, se era ou foi casada. Falava pouco sobre qualquer coisa em qualquer conversação e nada de si mesma. A única pessoa que tinha algum contato mais próximo com a velha senhora era Charles, o corcunda da cidade, manco e surdo-mudo que periodicamente, em sua carroça velha a visitava levando as quinquilharias, mantimentos e garrafas vazias que vendia. A velha senhora era conhecida e atendia pelo nome de Bruxa; a bruxa de Burford, a pequeníssima cidade do condado de Oxfordshire com cerca de 1.500 habitantes, que preserva orgulhosamente a sua arquitetura e seus costumes medievais. Charles, em sua barulhenta carroça era uma figura tão curiosa quanto a velha senhora e muito raramente algum morador o abordava perguntando-lhe algo sobre a bruxa. Quando isso ocorria, a resposta que ouviam era sempre a mesma; Charles, grunhia alguma coisa ininteligível e fazia o sinal da cruz.
No quintal sem cercas da casa que habita, aparentemente sozinha, já que ninguém vai além das proximidades do seu caldeirão, é que a bruxa passa os dias preparando suas poções. Além da bruxa de Burford, o outro ser existente na casa é um corvo que vive em liberdade e atende aos comandos da bruxa, pousa nos seus ombros e beija suas orelhas. O corvo atende pelo nome de Shim e passa o dia pousado num galho da árvore próxima ao caldeirão, onde aproveita o calor gerado pelo caldo fervente. Os vizinhos mais próximos residem a praticamente um quilômetro de distância e apenas sabem que ela está em casa pela visão da coluna de fumaça cinza claro que emana do caldeirão e flutua sobre o contorno das árvores do campo em que Burford está encravada. Só é possível chegar à casa da bruxa em carruagens, charretes, cavalos, carroças ou a pé. A estrada principal, ainda sem calçamento, é estreita, sinuosa, cheia de barreiras e passa a três ou quatro quilômetros de distância. Ela nunca foi vista fora do quintal de sua casa. Dentre as tolas crendices que correm a cidade a mais comum é de que, nas noites de lua cheia, a bruxa voa ou se transforma em um velha coruja ou numa linda e esbelta jovem. A história que causa arrepios a quem ouve é a de que ela sempre existiu e morou no mesmo lugar, desde a criação do pequeno povoado que deu origem à cidade, no século XIV.
A bruxa atende a quem a procura, sem convites, avisos e sem dia agendado ou hora marcada. Ela apenas atende. Prepara poções que os moradores do lugar dizem serem mágicas, capazes de curar qualquer problema de saúde. Não é raro que pacientes que frequentam as clinicas e hospitais caros das universidades londrinas, ao serem desenganados pelos médicos locais sejam aconselhados por vizinhos ou amigos a recorrerem a bruxa de Burford.
Um desses dias, um homem aparentando sessenta e poucos anos, cansado, com falta de ar, pés e pernas inchados, chegou, levado por sua esposa e irmão. A esposa aflita disse que os médicos da universidade afirmaram que seu coração estava muito fraco; já não conseguia bombear o sangue e não havia solução para o caso. Ele teria, talvez, no máximo, dois ou três meses de vida, quem sabe?
A bruxa ouviu a história atentamente e apontou para um rústico banco de madeira, como a convidar os visitantes a esperarem sentados. Estendeu a mão a um grande armário próximo ao caldeirão e recolheu pequenas porções de três ervas de diferentes aspectos e tonalidades. Enquanto juntava as três ervas numa pequena caçarola, fez um leve sinal para Shim que voou do galho em que repousava, sumiu na mata e em menos de dois minutos voltou trazendo no bico pequeninos galhos de uma erva que a bruxa prontamente recolheu e adicionou à caçarola. Em seguida colheu, com uma concha de cabo longo, duas porções do caldo fervente do caldeirão e jorrou na caçarola deixando ferver enquanto agitava a mistura por alguns instantes. Depois, com um pequeno funil recolheu o caldo formado após passar por uma velha peneira de metal, em uma garrafa que arrolhou e entregou ao irmão do homem. Simplesmente disse: - Ele deve tomar um pequeno cálice três vezes ao dia. Vai ficar bom! Virou-se, chamou Shim que voou e pousou em seu ombro. O irmão do paciente ainda falou em voz alta: - Senhora, quanto custa? Preciso pagar alguma coisa? - Recebeu em resposta: - Ponha na panela ao lado do caldeirão. - Mas, quanto devo colocar? - Outra resposta ainda mais simples, ouviu da bruxa: - Quanto quiser, se quiser ou se puder. O bom é que ele vai ficar bem! Se Deus quiser; e Ele sempre quer!. Ele não quer ver seus filhos adoecidos. Eu os curo para Ele. Ele só os leva quando suas missões aqui estão terminadas. Seu irmão ainda tem o que fazer. Vai conseguir fazer o que precisa. Tenham um bom dia! E sumiu na densa neblina que envolve o casarão que habita desde sempre, segundo a lenda que atravessa gerações em Burford.