ISA
Contos  |  Segunda-feira, 4 Dezembro, 2023 11:10  |  Visitantes e Leitores: 1445  |  A+ | a-
Dr. Dirceu Badini

Sou um cara muito tímido, introvertido, capiau, roceiro e outras mais. Deve ter havido falha na minha criação, na minha genética ou em tudo isso. 
Aproxima-se o aniversário da minha esposa. Não sei o que fazer, não sei o que comprar. Em parte, porque ela me acostumou muito mal, sem com isto querer angariar desculpas pela minha falha. Creiam: até os meus óculos ela faz questão de ir à loja apanhar um montão e a gente escolher juntos; cuecas, sapatos…. Nada mais do que a vontade de ajudar, sem nenhum outro motivo. Ah! Minha companheira! Se não fosse você eu estaria frito!
Eu encontrei uma cartinha que a nossa filha do meio, Mércia, escreveu para ela quando ainda era adolescente. Pedi autorização para transcrevê-la. Se você a deseja ler, faça-o de maneira contrita, como se fosse uma singela oração para uma quase Santa.

“Nova Friburgo, 24 / dezembro 86”.

Mãe:
Você se lembra quando a gente nasceu? Éramos tão pequenininhos, parecíamos uns bonecos de brinquedo.
Eu queria continuar criança e o tempo não deixou. Eu não queria crescer; juro que não. A adolescência machuca; ser adulto traz responsabilidades, corrompe.
Queria continuar como uma bonequinha; queria dispor de você como dispus na minha infância, queria ser protagonista das suas brincadeiras de boneca, mas o tempo não entendeu isso.
Cresci e comigo cresceram os problemas que você ajudou a resolver.
Ah! Mãe, se você soubesse como eu gosto de você….
Admiro essa energia, essa coisa de sempre fazer o máximo por todos.
Queria que o mundo gostasse de mim como gosta de você. Queria um dia poder sentar e dizer tudo isso a você, mas a caneta fala melhor que eu. Queria ter essa força que você tem, esse carisma, essa paixão pela vida.
Não deixe isso tudo nunca envelhecer, porque quando isso acontecer, você também envelhecerá, mas esse seu brilho ninguém vai conseguir apagar. Ninguém nunca, em tempo algum vai conseguir imitar, porque você é única, é autêntica.
Se um dia eu falei que Tia Ieda é a madrinha ideal, eu digo que não existe no mundo mãe mais mãe do que você.
Meu presente é essa carta (de nós três), porque depois de tantos Natais, acho que o certo não é dar presentes que vêm e vão, presentes que em outros natais serão substituídos por outros mais modernos, presentes que se acabam em anos.
Queria dar um presente que pudesse superar todos os natais passados e que mesmo no futuro não estivesse ultrapassado. Queria um presente que não tivesse preço, nem fosse fabricado em parte alguma, não tivesse nome, não tivesse marca. Esse foi o único que pude encontrar e mesmo que o tempo destrua sua matéria, ele estará guardado nos natais que virão.
Três beijões.
 
  Luciano, Mércia e Carmela.”

Dez anos de namoro e noivado, mais quarenta e tantos de casados, mais de cinquenta anos de convivências. Imaginar que foi tudo tão inesperado, quando aquele estudante de curso científico de vinte anos, magro, feio e duro sacrificou suas férias para faturar “unzinhos” mais. 
Topou o convite ou quase uma ordem de dois amigos para ir àquela pequena cidade mineira preparar um monte de meninos, meninas, senhores e senhoras para fazer as provas de admissão para o ingresso no primeiro ginásio que Pirapetinga teria. Seriam uns quarenta ou cinquenta dias, não mais. Já é mais de meio século!
Vixe! Deu no que deu: trem “bão” demais, uai!
                        
*Nota: Luciano, nosso filho mais velho é Promotor de Justiça atuando no MP na capital mineira e responsável, atualmente, pelo setor de Meio Ambiente, mandou emoldurar esta cartinha e meu comentário em papel reciclado e permanece até hoje emoldurada e pendurada na parede do nosso quarto de dormir como uma joia rara de onde podemos vê-la diariamente. Vez por outra paro em frente e a leio, leio e depois choro. Sou descendente de italianos e de chorões como tantos outros. Não me amofina, sabem?
Minha filha Mércia, autora da carta, hoje é Oftalmologista nesta cidade, foi minha aluna no curso de pós-graduação e nos deu dois netinhos, Alice e Dudu (Eduardo). Desculpem-me a franqueza e falta de autocrítica, são umas gracinhas e dois amigos dos mais fiéis que já tivemos. São os guardiões, os responsáveis pela nossa imortalidade.
Carmela, a caçula, terminará o curso de Direito dentro de um ano e meio. Pronto! Estamos feitos!
Todos os textos aqui colocados já foram publicados no jornal diário local “A Voz da Serra”, do qual sou cronista há mais de quinze anos.
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