ANJOS
Crônicas  |  Quinta-feira, 4 Novembro, 2021 9:02  |  Visitantes e Leitores: 1489  |  A+ | a-
Dirceu Badini
O nascimento de uma criança é sempre um acontecimento expectante, alegre e faz cessar uma preocupação, uma ansiedade de meses de espera. Naquela época, nunca se sabia qual seria o sexo, se saudável ou doente e era sempre o final de um acontecimento que guardava surpresas nem sempre agradáveis.
Aquela gestação era a quarta da família. Como nas anteriores, de diferente, existia a maior experiência da futura mãe. No mais, tudo era igual: preparar na máquina Singer a pedal as roupinhas, lençóis, mantas de flanela, touquinhas de tecido ou então feitas pacientemente de tricô com linhas grossas de lã, assim como os sapatinhos, as fraldas de tecidos macios, montão delas e o tal de cueiro que servia para enrolar o recém-nascido do peito para baixo, de modo a proteger sua coluna mais adequadamente. Fossem quantos partos fossem, o cuidado e o carinho com que as peças eram feitas, tinham sempre o mesmo esmero e amor. A melhor e a maior obra da natureza, sem medo nenhum de errar, foram e continuarão sendo MÃES! Que seria da evolução, tão badalada atualmente, se não houvesse o zelo e a proteção maternas?
Ao mesmo em tempo em que a mãe engordava, (termo que se usava para referir-se a uma mulher grávida), engordavam-se também tantas galinhas. Havia uma crença que elas obrigatoriamente deveriam ser de pescoço pelado e não poderiam ser da cor preta. Depois do parto, haveria o resguardo e a mãe deveria alimentar-se somente de pirão feito com o caldo da galinha gorda e comer aquela carne. Gordura de porca, nem pensar. Só de porco macho e castrado. (Coisa besta, não é?) Tenho certeza de que Freud pode explicar porque eu não como pirão: (Atenção, Psicólogos ou Psiquiatras: eu continuo não querendo saber!) na minha infância servia para dizer que “você tem mais um concorrente”, pois o panaca aqui, já bitelão, somente ficava sabendo da nova irmã depois que ela nascia. 
A criança ficaria sempre aos cuidados da mãe, dormindo no canto da cama de casal, dividida por uma fileira de travesseiros para evitar que a mãe rolasse sobre o filhote. A avó materna, mais sabida, experiente, sempre levava a filha para a sua casa já que nos próximos quarenta dias não poderia fazer nada mais senão dar de mamar ao neném.
A casa era alta, assoalhada de tábuas pregadas sobre barrotes. Quando se andava fazia muito barulho, mesmo com o maior cuidado. De noite, em torno das oito horas, desligava-se a luz gerada no próprio local e então se usavam lamparinas ou lampiões.
Numa agourenta noite praticamente todos acordaram com um barulho muito grande. Correram para o quarto onde dormiam mãe e criança, suspeitando que ela pudesse ter caído da cama e que seria seguramente um problema para o resguardo. E lá foram todos rogando pelo nome de tudo o que era santo para ajudar.
Surpresa! Quem estava lá no chão e na maior paz era o bebê! Tranquilo, dorminhoco e provavelmente de saco cheio por aquela atrapalhada. Cada um mais espantado do que o outro, se olhando. Até o Luiz Barbeiro, que morava num quartinho fora da sede, também apareceu por lá e foi logo dizendo que todos ficassem calmos porque aquilo somente poderia ser obra do sobrenatural, mas teria solução. De manhã cedo ele pegaria a bicicleta e consultaria uma sua tia que era bamba nessas encrencas do sobrenatural. Resolvia qualquer parada.
O dia foi de ansiedade até que o Luiz voltasse. Chegou com a cara feliz, reuniu o pessoal todo e tranquilizou Deus e mundo dizendo que não havia nada de sobrenatural naquilo. Simplesmente os anjinhos acharam-na tão bonita e julgando ser um deles, foram lá brincar. Nessa brincadeira, ela escapuliu e ia caindo com tudo no chão, mas o seu anjo da guarda protegeu-a e nada aconteceu. Deu a receita para fazer umas mandingas para assustar anjos e pronto. Foi fácil. Aqueles anjos eram muito burros!
Agora imaginem vocês um bando de anjos que não tinha o que fazer saindo por ai pintando o sete. Anjo, cara! No mínimo eram todos míopes ou bastantes imbecis porque logo deveriam notar que aquela criaturinha não tinha asas. De fato ela estava mais enrolada do que charuto, mas eles tinham que pesquisar ou será que anjo nasce sem asas e só depois elas aparecem? Certamente não. Tudo que tem asas já nasce com elas, sem penas, mas nasce com as asinhas.
Outra coisa: eles estariam gazeteando, fugindo das suas obrigações celestiais. Não acredito que lá em cima haja tantos anjos dando sopa e sem trabalho para fazer. Muitos outros bebês deveriam estar sem proteção... Pensando bem, sorte daqueles outros, pois esses anjos não deveriam ser muito bons de guarda, não! "Anjada" irresponsável! Onde já se viu! Ainda há o seguinte, por que o anjo da guarda da menininha não dedou os malandros? Deveria ter feito um relatório pro chefe (Arcanjo Gabriel, desconfio), narrando tudinho, botando pra derreter, mas não, sabe como é... São colegas, todos da casa. Amanhã eu também poderei dar uma escorregada... E foi essa a resposta esfarrapada. He! He! Provavelmente!
Não sei se existe nacionalidade entre os anjos. Será que há anjos mexicanos? Alemães? Não sei! Eu não manjo nada dessas figuras celestiais, mas dá a impressão de aqueles eram brasileiros ou... Ô pá! Melhor calar!
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