TEMPOS MODERNOS
Crônicas  |  Segunda-feira, 11 Dezembro, 2023 16:51  |  Visitantes e Leitores: 1453  |  A+ | a-
Dr. Dirceu Badini

Faço parte de algumas redes de discussões na Internet. Servem para trocar ideias, discutir casos clínicos e cirúrgicos, opinar, pedir opiniões, ficar por dentro de lançamentos de aparelhos ou a experiência de cada um com determinados instrumentos, enfim, servem-me para estudar.
Semanas atrás, entre outros, foi colocado um caso de cirurgia refrativa (miopia) para ser discutido. Um monte de sugestões surgiu, acompanhei todas e depois de uns dez dias, uma opinião de um professor, deu que falar: ele contraindicava a cirurgia pelas técnicas sugeridas por ser tratar de um ceratocone e não cabia ali nada do que haviam discutido antes.
Fiquei meio assustado e fui olhar as fotos anexadas e não vista antes, pois o caso não me despertara maior interesse até então. Os exames topográficos ali colocados não deixavam nenhuma dúvida de que aquilo era um ceratocone. Simplificando: ele certo e um enorme grupo equivocado. Mas o que me deixou pasmo foram os votos de parabéns, elogios de todas as espécies, até discursos imponentes que o referido professor recebeu após a sua manifestação.
Pô! Elogiar qualquer profissional porque executou a sua tarefa corretamente é estranho, no mínimo. Se a gente abraça uma profissão, exerce-a e quer ser respeitado, tem de fazê-la bem, completa e nunca esperar elogios por isso. Os demais, sim, deveriam levar uns puxões de orelha. Ele, o certo e que Deus o conserve sempre assim, não fez mais do que a sua obrigação.
Eu ficaria muitíssimo envaidecido se conseguisse pousar um baita avião que, por motivos não relevantes aqui, ficasse sem os pilotos. Subiria aos ombros de qualquer maluco e até desfilaria em carro aberto do Corpo de Bombeiros. Nunca vi um manche de perto. Mas ser elogiado por executar bem a minha arte é normal, é minha obrigação. Educadamente agradeceria a lisonja e só.
Nestes tempos modernos, muita coisa melhorou. E quanto! Mas, algumas parecem que não. Não posso imaginar um médico, um padre ou um juiz, por exemplo, venal. E o pior é que existem. Minoria, ainda bem! Choca-me porque fui educado a me espelhar na honradez, na verdade, na distinção do caráter. Fui criado para me espelhar nos deuses.
 Não posso admitir um indivíduo ter a sua residência arrombada, filhos amarrados, pais agredidos, chutando o cachorro ou dando nó no pescoço do papagaio, fazendo o querem e depois se dar graças a Deus por ter sido só isso e não terem morrido. Lembro-me do sábio aconselhamento daquele político paulista que preconizava estuprar se tivesse vontade de fazer sexo, mas não matar. Ah! Eu to maluco!
Remeto-me ao meu avô, estatura baixa, nariz avantajado, olhos azuis, cabelo ralo, sem calvície e bunda arrebitada, como soem ser os italianos. Viveu numa época do machismo e dizia que homem de verdade não precisava assinar documentos, bastava um fio da barba sobre o papel. Se hoje ainda estivesse aqui o meu grande, gigante, infinito João Badini certamente mudaria esse conceito e ele, com certeza, diria que somente bastava ter vergonha na cara. Está faltando vergonha na cara ou estão faltando caras para se colocar vergonha? Não é à toa que os dicionários registram o adjetivo descarado.
Fico imaginando se essas coisas também não aconteciam em épocas passadas. Eu mesmo respondo: certamente sim, mas só agora eu estou mais atento a elas. Não quero ficar mais chato e somente ficar lembrando o passado, nem gosto dele, mas quando o banzo abraça pra valer, aperta e trepa com tudo no cangote da gente, chego a admitir estar mais velho do que os meus sessenta e seis anos.
Em parte há vantagens, porque você perde o medo da morte, passa a encará-la até como uma necessidade. Viver o restinho da vida com medo da foice enferrujada da magra deve ser demasiadamente estressante.
Psiu! Disfarce. Faça de conta que não está acontecendo nada, dê uma de “João-sem-braço”. Vou contar um segredo! Aquele papo furado do último parágrafo de não ter medo da morte é conversa fiada que rotineiramente o meu “eu consciente” tem com o meu “eu inconsciente” Este é um tarado, inconsequente, pirado nota dez, não dá a mínima para o outro, não respeita regras, age por instintos e manda fumo em mim com frequência! 
Quando se junta ao estresse então só fazem merda. Vivem aprontando, pintam e bordam e até dançam marcha fúnebre para me encher o saco. Vez por outra fazem a maior bacanal, arrebentam-se, extrapolam o bom senso e eu levo ferro com a enxaqueca, gota, labirintite e outras mumunhas que somente eles sabem inventar e divertir-se com elas. Imagino que todas as mazelas que desequilibram nossa saúde têm uma pontinha deles. São capazes até de avacalhar com o nosso sistema de defesa. Coisa da pior espécie! Carne de pescoço!
Estou conseguindo fazer o “eu” indomado acreditar que não tenho mais medo de morrer e assim – você já manjou, não é? – Vou livrar-me de um fator de estresse importante, acalmar o inconsciente e, óbvio, viver muito mais, mas muito mais mesmo! Passei a perna naquele selvagem desvairado e a magrela ossuda, a cavernosa, vai ter que arranjar um canto para encostar o seu alfanje, gozar umas prolongadas férias ou procurar um toco e esperar sentada. Vai demorar muito, mas muita coisa pra a gente caminhar juntos! Não vou dar moleza! Aqui pra ela, ó!
Eh! Eh! Eh! Vocês me desculpem, mas eu sou o máximo, não sou? VIVA EU! VIVA! Clap! Clap! Clap! Clap!


Maio 2002.
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