ANJINHO DE CARA SUJA
Contos  |  Domingo, 19 Fevereiro, 2023 9:38  |  Visitantes e Leitores: 1448  |  A+ | a-
Dr. Dirceu Badini   
        - Estão vendo esta menininha aí? Claro! Coitadinha! Alguma sem-terra ocupando de maneira discutível o seu lugar ao sol, carinha de sofredora, introvertida, subnutrida esperando, esperando, esperando melhores dias. Poderia também ser muitas e muitas semelhantes a ela nas regiões mais pobres de qualquer lugar do mundo, mundo besta onde a maioria é de sofredores, carentes, famintos e que cedo, cedo têm de trabalhar em alguma coisa para ajudar o sustento, a manutenção da vida. Prioridade. Ou ainda poderia ser uma menininha rica, empanturrada de chocolate e amargando agora o castigo da gula com uma senhora caganeira, precedida de vômitos e cólicas simplesmente porque tem comida demais e não sabe como manejar esse instinto.
            Pois é! Não é nada disto dito acima. Trata-se da nossa netinha Alice num dos raríssimos momentos de sossego e apanhada de surpresa pela objetiva de uma câmera fotográfica que fica sempre à espreita do que ela possa fazer. Oportunidades não lhe faltam. Provavelmente essa atitude foi logo após ela ter aprontado mais uma das infinitas que consegue realizar durante alguns minutos de travessura. Repetitiva essa sua mania de fazer diabruras. Ainda não sabia andar quando aconteceu. Encontrou a sua banheirinha no banheiro do nosso quarto, apanhou alguns punhados de terra dos canteiros que lá existem e ajuntou com pequena sobra de água. Misturou tudo aquilo e fez uma senhora anarquia. Entrou lá e se lambuzou toda de barro. Levou aquele pito da avó ou da mãe que lhe dão relativa colher de chá nessas traquinagens. O avô afrouxa sempre.
Então me lembrei do Einstein. Não existe tempo ou ele é mutável. O obturador da câmera fixou aquele momento, aquele tempo. Parou o tempo ali. Ele, o da língua, dá como exemplo uma flecha atirada por um arqueiro e se fotografada com alta velocidade no obturador se afigura como estática; parada. Aquele danado bolou a Teoria da Relatividade no início do século passado e, se não me engano, aos vinte e dois anos de idade. Até hoje eu não a entendo. 
E o que há ver tudo isto com a foto da Alice? Guardo esta com muito carinho, pois não acredito, dentre mais de quatrocentas outras, eu encontre uma com as características expostas nesta. Ela quase nunca está séria, sempre sorrindo ou ligeiramente rabugenta quando está com sono ou fome. Fora isto, tome alegria!
Ela é um trenzinho de gostosa. Engatinhando é um foguetinho. Já arranhou os joelhos. Isa então fez um bermudão (ou bermudinha?) com a região dos joelhos acolchoada, pois, sem isto, ela puía todas em poucos dias. De pé é tal qual um goleiro em miniatura. Só vendo!
Vive em disparada! Se você a chama, pensa que para assim devagar e fica de costas? Errou! Dá um cavalo de pau de cento e oitenta graus, senta-se sobre as perninhas e fica prontinha para disparar de novo. Não perde tempo. Se a gente a olha por trás, a vê rebolando a bundinha e lembra um jacaré correndo...
– Jacaré não tem bunda!
– E nem a Alice tem rabo! Imagine, ô imbecil, irracional: no lugar do rabo do jacaré deveria ter uma bunda ou na bunda da Alice deveria ter um rabo! É ali que ambos rebolam. Deu pra clarear um pouquinho só esses neurônios pré-históricos? Não adianta! Você se nega a raciocinar e age somente por instintos. (Não se assustem. Esta discussão nós dois temos sempre. O meu cérebro pensante e o outro, mais primitivo que não deveria se meter nestes papos e vive atazanando. Mas nós – viventes racionais – precisamos de ambos: um mantém a vida e o outro a aprimora. Ou deveria ser assim).
A gente não está sabendo como administrar isto. É um capetinha em pleno século vinte e um. Estivemos próximos de uma hecatombe física e mental. Mas agora ela já anda e isto ainda limita a sua velocidade, apesar de querer ir àqueles lugares que antes era impossível. Já quebrou a cara algumas vezes. Há! Também já aprendeu algumas palavras e gracinhas...
– Vai começar com aquelas ridículas demonstrações? (Ele de novo!). Bota a menina ali e fica dizendo pra ela fazer isso, fazer aquilo e, se ela se nega, agarra à força e enche o saco daquele séquito de marmanjos assistentes que nada tem com a história e já a conhece de montão. Vai repetir que ela imita o ronco do avô? Vai dizer que ela dá beijinhos, dá adeus, imita o galo do seu Mineiro e o cachorro da rua? Que ela adora o Barneydo Discovery Kids? Vai dizer também que ela fala papai, mamãe, vovô, vovó? Que já pede água, papá, mamá? Que adora dançar até música de propagandas? Que é uma “funqueira” de mão cheia? Vai...
– Vou somente dizer que ela sabe dar a língua para um pôster do Einstein (o da língua de fora) pendurado há muitos anos no meu escritório e que ela também já sabe chamá-lo de bobão. Tá? Bobão!
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