Plaft! O jornal acabava de ser jogado à porta de Josiel, como ocorria todas as manhãs. Esparramado no sofá, copo de café na mão, ele passava os olhos rapidamente: - Vamos ver o que há de novo. Política, delação premiada, corrupção, alta de juros, página policial, descrevia para si mesmo. Coitado, enfartou na cama do motel e a mulher que o acompanhava fugiu sem dizer nada a ninguém. Josiel empalideceu ao ver o nome e a foto da vítima, ainda deitada e completamente nu. - Putz grila! Jorge Klauss. Amigo da sinuca, mulherengo como ninguém. Dessa vez Jorginho dançou. Veio à mente de Josiel o que Jorge sempre dizia sobre casamento: “- É a opção por uma mulher e a renúncia a todas as outras. Isso não é pra mim, cara!”. Ainda lamentando a morte do amigo, Josiel vê a porta se abrir e percebe o ar de espanto de sua mulher que entra na sala: - Querido, você disse que chegaria amanhã. O que houve? – perguntou Suzana, procurando esconder a surpresa. - Ah, a marinha mercante também está forçada a fazer economia. Deixamos de atracar em Santos e a viagem ficou mais curta, respondeu ajeitando a bermuda. Sabe o que mais? Jorginho morreu num quarto de motel; é notícia do jornal, acrescenta Josiel em voz ritmada e triste. - Coitado, era uma boa pessoa. Tão alegre e divertido. Jorginho vai fazer falta em nossa casa. Aparecia do nada, sem aviso, mas era sempre bem vindo. - Comentou Suzana com uma ponta de tristeza. A vida pode ser malvada com algumas pessoas, meu querido. Vamos celebrar mais um dia juntos; e, melhor ainda, mais uma noite de amor! – Suspirou Suzana, mudando completamente o rumo da conversa. - Com muito amor, querida! Quando a saudade bate forte não há quem resista! – Diz Josiel apertando sua mulher contra o peito e acariciando seu rosto! - Mas Su, seu plantão não deveria ter sido há duas noites passadas? – Perguntou Josiel com uma leve mistura de estranheza e satisfação. - Claro, amor; mas você sabe como é a vida de enfermeira! Plantões são trocados sempre que alguém precisa resolver problemas pessoais. É muito comum nos hospitais do município. - Como você não gosta de trocar plantões, achei estranho, mas no fundo veio bem a calhar. – Diz Josiel já com um sorriso meio maroto estampado no rosto. - É a vida, amor; a vida é assim mesmo. A morte é a única certeza que temos. E muitas vezes ela chega sem aviso prévio. É ruim saber dessas coisas pelos jornais, não acha? – Comentou Suzana, tentando consolar o marido. Após um profundo suspiro, Suzana se dirige ao banheiro para o habitual reconfortante banho morno, enquanto murmura alguns fragmentos de pensamentos que parecem preocupá-la. Josiel observa os seus movimentos atento ao ruído do chuveiro aberto. Subitamente, o celular, na bolsa que Suzana deixara sobre o sofá, toca ruidosamente. - Su, o celular na tua bolsa está tocando, quer que eu atenda? – Pergunta Josiel, meio curioso. Atende, por favor, meu amor; a água está uma delícia. Vou demorar mais um pouquinho. A tela do celular mostra apenas um número, sem identificação de nome. - Pronto! Quem deseja falar? Espero que não seja telemarketing! – Atende Josiel. - Aqui fala o detetive Clóvis, da 12a delegacia de polícia de Copacabana. O senhor conhece um homem chamado Jorge Klauss? - Claro, conheço sim. Acabo de ler sobre sua morte no jornal dessa manhã. Jorginho é meu amigo de longa data. Era carona frequente no jantar em nossa casa. Sujeito especial. Amigão. Sua morte me entristece muito. - Pois é. A última ligação feita por ele, antes de entrar no motel foi para o seu número. Cerca de uma hora antes da entrada no motel, para ser mais exato. Precisamos falar sobre o que conversaram. Pode ajudar bastante para esclarecer o ocorrido. Quando posso vê-lo, senhor…? - Josiel, detetive, Josiel de Andrade! Pode vir quando quiser, detetive. Estou às ordens para ajudar no que for possível. – Respondeu Josiel, com o rosto empalidecido e a voz um pouco trêmula. - Ah, só mais uma coisinha, – Acrescentou o detetive Clóvis, com voz firme e pausada. – A câmera de segurança do hotel gravou a placa ZW3421 da traseira do carro que saiu da garagem da suíte em que o corpo de Jorge Klauss foi encontrado. - É a placa do meu carro novo, – acrescenta Josiel, quase num gemido de grande sofrimento. Ao desligar o telefone, Josiel jogou o corpo na poltrona da sala e pensou por alguns segundos que pareceram uma eternidade, antes de ir até a porta do banheiro em que Suzana, alegre, cantarolava suas músicas favoritas, enquanto a água morna escorria sobre seu corpo jovem e bem torneado. Sem querer ouvir a resposta que já conhecia, Josiel perguntou: - Su, meu carro ficou sem uso desde que embarquei? Numa resposta rápida, Suzana confirma o que Josiel, sem dificuldades, já concluíra: - Não, querido. Anteontem fui ao shopping com o teu carro, para não deixar o motor parado por muito tempo. E levei o teu celular, porque o meu estava com a bateria sem carga. Como ao receber uma descarga elétrica, Josiel jogou-se sobre o tapete da sala aos prantos, e, soluçando, certo de ter ouvido a grande mentira, dizia sem parar: - Minha mulher, meu melhor amigo….minha mulher, meu melhor amigo…minha mulher, meu melhor amigo… O ruído da água do chuveiro cessou. Fez-se um silêncio onde se ouvia apenas, cada vez mais fraca e pausadamente a voz rouca e trêmula de Josiel: - Minha mulher, meu melhor amigo… minha mulher, meu melhor amigo. Soa a campainha da porta. Um homem moreno, franzino, se identifica: - Sou o detetive Clóvis, da 12a delegacia de Copacabana. Bom dia! Falo com o senhor Josiel? Josiel, com os olhos vermelhos e úmidos, apenas acena com a cabeça afirmativamente, sem conseguir dar uma palavra, enquanto ao fundo, a porta do banheiro se abre e se ouve o cantarolar de Suzana, demonstrando a alegria de quem recebe o marido de volta das longas viagens pela costa brasileira.