Mudar de colégio. Terminado o curso ginasial. teria de continuar os estudos, ingressar no curso científico e depois na faculdade. Sonho de menino homem, porque fui para o ginásio aos quatorze anos, quando a maioria dos da minha idade já o estava terminando. Bom demais, pior seria não ter saído nunca da roça, vidinha boa, sem compromissos maiores, idade que a gente ainda não encara o futuro, papai, mamãe, vovô e vovó ali presentes e ajudando mais do que podiam e o panaca aqui resolveu estudar.
Houve, sem dúvida, até alguém da família contra. Somente por apego, alegando que os outros parentes não precisaram sair de casa para se manter. Isto poderia ter arrebentado comigo, mas eu hoje entendo o posicionamento de uma das minhas avós que não queria seu neto longe. Um tipo de egoísmo gostoso quando a gente o compreende.
Fiz o curso ginasial em Cordeiro, em um colégio novo, recém-implantado e dureza. Além das aulas, mais quatro horas de estudo todos os dias, duas no turno da tarde e depois mais duas à noite. Ali sempre fui um aluno de ponta, ficando entre os primeiros.
Mudei para outro em Miracema para cursar o científico, pois já estava determinado a estudar medicina, não sei por vocação ou por influência, mas hoje tenho certeza que foram as duas que me incentivaram. Lá eu também trabalharia na secretaria do colégio para ajudar nos custeios, coisa que já acontecia também em Cordeiro.
Primeiro mês de aula. Marcada a primeira prova. Não sei como é hoje, mas havia provas mensais, duas provas parciais e outra oral no final do ano. O professor era bastante sisudo, óculos Ray-ban, cigarro sempre aceso, espalhando cinzas para tudo que é lado, paletó com alguns furinhos feitos pela brasa do pito, gravata puída, pouca conversa. E foi logo lascando:
- Turma do duro para cá e a turma do mole para lá!
Eu não sabia o que era aquilo. Logo, logo, fui informado que a turma do "mole" poderia colar à vontade, mas somente teria nota máxima de sete e na turma do "duro" era proibido colar, mas se poderia ter até nota dez. Eu e mais uns dois ficamos separados. O restante num banzé danado, mandando brasa na cola despreocupadamente, negócio mesmo muito democrático, liberdade total, baderna de primeiro mundo.
Mal ou bem comparando – não tenho muita convicção – eu via do lado de lá aquelas orgias romanas onde as escravas morenas, de olhos verdes e maminhas de fora, colocavam uvas ou maminhas na boca daqueles belos centuriões recostados naqueles sofás cobertos de veludo vermelho. Provavelmente alguns somente aceitavam as uvas ou alguma outra coisa que as belas meninas não poderiam oferecer. E nós, do lado de cá, babacas arrependidos, assistíamos a tudo resignadamente, eunucos das bacanais da minha imaginação idiota. Miolo mole. No mês seguinte, ninguém na fila de carteiras do lado esquerdo. Não ficava bem ser estraga prazer, do contra, coisa e tal.
Mas a prova daquela maneira também já ia perdendo a graça. Então alguém sugeriu que o professor aplicasse o sistema da corrida de cavalos. Eu balancei a cabeça e comecei a rir. O que poderia vir agora? Mas foi o maior sucesso. Gostei demais da parada.
Escreviam-se em três pedaços de papel os algarismos cinco, seis e sete. Fazia-se de cada um deles uma bolinha. Pela ordem de chamada o aluno as pegava e arremessava sobre o tampo da mesa do professor que era – claro – o coordenador do evento. As bolinhas corriam pela tábua e a que parasse mais distante era aberta e o número ali escrito correspondia à sua nota.
Alguns mais malandros pretenderam dar uma tranca no mestre, alegando que eram poucas e se deveria colocar seis para se chegar à nota dez. A brincadeira estava meio sem graça com somente três cavalinhos magrelos na corrida, pouco emocionante, sem nenhum frisson maior. Maçante! Opção vetada pelo coordenador. Sugeriu ele, então, se colocassem, sim, os seis cavalos, tendo cada dois o mesmo número e a emoção, desta forma, seria a mesma. Ganhou a parada sem contestação – lógico mesmo porque ali a corrida era de cavalos e não havia ninguém burro o suficiente para contradizê-lo.
Naquele colégio havia outras coisas inusitadas. Certa noite o secretário, também responsável pelo internato, surpreendeu um aluno interno chegando bêbado. Tava ruim o moleque. Nem conversou: deu-lhe uma pernada ou capoeira, coisa desse gênero, que botou o magrinho Télio esparramado na sala dos professores. Depois, educadamente, solicitou-o com todo respeito e finura:
Senhor Télio! Por favor! Levanta! Vamos! Levanta pra tornar cair!
Nem precisava nada daquilo. Era só soprar que o Télio desabava. Tava numa gata de dar inveja ao mais laureado Baco.