Contos|
Sexta-feira, 14 Janeiro, 2022
16:44
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Dr. Dirceu Badini
Houve uma época em que a maior parte da população do Brasil estava concentrada na roça, nas grandes fazendas de cafés cujos resquícios ainda a gente encontra com frequência, se vagar pelo interior.
Os fazendeiros ricos tinham residência nas cidades, mas ganhavam ou amealhavam as suas riquezas com o trabalho escravo concentrado na roça. E ali, para manter o padrão ou a ostentação, as fazendas não somente eram imponentes externamente como também por dentro, com móveis, lustres ou quaisquer outras obras de arte geralmente vindas da França, a potência econômica e cultural da época, com a Inglaterra. Hoje perderam aquela hegemonia para os beneméritos irmãos do Norte que ainda hão de perder para algum outro país. Que seja breve!
Vou morrer de rir, esteja onde estiver. Aposto que meu esqueleto ou qualquer pedacinho dele ainda existente vai desmanchar em pó dado ao tremendo frisson submetido. Dia de glória para meus restos mortais, sem medo de errar. Se a minha caveirinha ainda estiver intata vai dançar rock, plantar bananeira, coisas que eu nunca tive a coragem de fazer antes.
Ela vai esbaldar; chocalhar pra valer, mas, pelo menos, duas coisinhas já lhe recomendei não esquecer: virar-se pro norte e dar umas vigorosas bananas pra lá, até daquele jeito de passar o braço por baixo da perna (melhor, osso do braço por baixo do osso da coxa) e depois, apontar a bunda seca pro lado de lá e detonar uns puns caprichados. Não tenho a mínima ideia de como seria um pum caveiroso, mas suponho ser algo capaz de fazer murchar até os bigodes do Dali.
Mas as coisas naturais fluem e parecem cíclicas. Também aqui a riqueza não mais estava no interior, na roça. A era industrial puxava a vida econômica agora para a centralização, onde era mais fácil e lógico distribuir energia para mover as gulosas máquinas, transporte para a matéria-prima e os manufaturados. Evolução natural. Migração e mais migração das pessoas para as cidades, destruição dos cafezais estimulada à custa dos contos de réis ofertados pelo Presidente da República (coisa de doido!) e as fazendas imponentes restaram por lá ocupadas por fazendeiros ou herdeiros teimosos de não largar o pedaço de chão amado, atávico. Quase todas as sedes ficaram apinhadas com a maior parte de tudo aquilo que viera da Europa na belle époque e alguns proprietários achavam-nas até entulho, não sabiam dar-lhes o devido valor. Quantas não alimentaram os fogões a lenha! Cabeça de cada um...
Muito tempo depois o apreço pelas antiguidades, principalmente mobiliário, virou uma febre. Voltou a ser moda, ser chique. O que antes era entulho, passou a ser objeto de desejo, adquirido por um bom preço. As fazendas passaram agora a ser frequentadas por uma outra espécie de visitantes compradores, não mais desejavam café e sim cômodas, camas, cadeiras e todas essas “tranqueiras” que todos conhecem, apreciem ou não.
A fazenda que o Sô Pepê herdou tinha tudo para ser rica daquelas coisas que os viajantes, como eram conhecidos, desejavam e muito negócio foi realizado. Um dia acabou e ficou somente no porão um monte de trecos antigos que os compradores não estavam nada interessados.
Um desses foi renitente. Baixinho chato! Insistiu com Sô Pepê de subir ao andar superior para ele próprio verificar, pois Sô Pepê podia não ter muita certeza de que alguma peça tivesse valor ou não. Não era um especialista. Queria porque queria subir para ver se havia alguma coisa bem antiga, bem velha para comprar.
Vencido pela chatura do insistente comprador e para não perder uma oportunidade de chacoalhá-lo, subiu calmamente a escada longa e retilínea, dobrou à direita e entrou em um quarto enorme onde havia uma cama, uma cadeira grande de descanso e a sua idosa mãe ali sentada.
– O que tem aqui em casa de mais velha é esta aí.
O sacal comprador ainda levantou o lençol, bateu na madeira e depois de um longo exame, coisa que com um simples olhar já desvendaria:
– Essa cama não é tão velha assim, pelo contrário, é relativamente nova!
– Eu num to falando de cama nenhuma. A coisa mais velha que tem aqui é minha santa Mãe. Mas se o sinhô tiver precisão, nós fazemos negócio agorinha, dependendo do preço. “Sapeca” uma oferta no capricho que o sinhô leva. Facim, facim!