Contos|
Quarta-feira, 5 Janeiro, 2022
19:32
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Dirceu Badini
Eu já não era mais nenhum menininho e por isso naquela noite resolvi que ia dormir sozinho no meu quarto e do Niquinho já que ele, já homem-feito, saíra para ir a um baile.
Na casa do meu avô, onde passei praticamente toda a minha infância, meu quarto tinha saída para a sala e não possuía forro de madeira. O lambri comprado na época não foi suficiente e ficaram dois quartos para serem terminados mais tarde e isto nunca aconteceu.
Escolhi aquele por ser mais fresco naquela região de muito calor e, às vezes, era até tranquilizador ficar olhando algum raiozinho do luar passar por entre as frestas das telhas, por descuido, mal colocadas. Nunca reclamei daquelas falhas. Elas também serviam para acalmar o medo porque olhando ali tinha a certeza de que lá fora não estava tão escuro e, lógico, impróprio para as assombrações que teimavam em atormentar os meus pensamentos todas as noites.
A luz elétrica era desligada em torno das oito, nove horas. Havia uma gambiarra bolada pelo vovô permitindo que ele fizesse a água canalizada pelo bicame desviar-se do seu percurso e não mais movimentar a grande roda de ferro. Muitas vezes aquele fio de arame arrebentava e lá íamos nós ao engenho, iluminando o caminho com a lamparina a querosene, fazer aquela tarefa in loco. E quando estava chovendo, "mano véio"! Barra pesada! Ficar ligada a noite toda, jamais! O meu avô achava que ia destruir a maquinaria. Coisa que somente ele sabia e não precisava também ninguém mais pensar diferente. Tenho dito! Falou? Ta falado!
A casa não tinha corredor. A arquitetura não aceita, mais é o melhor aproveitamento de espaço. Dois quartos saiam direto na sala de visitas e mais dois na sala de jantar. Essas duas salas davam acesso aos quartos e serviam para as suas próprias finalidades. Genial? Sei lá! Funcionava.
O meu dava para a sala de visitas. O dos meus avós saía para a sala de jantar. Para o tamanho do meu medo, a distância era enorme. Se algo acontecesse, seja, uma assombração fosse pegar-me no quarto, eu teria de atravessar todo aquele interminável caminho. Já imaginou você correndo por ali derrubando cadeiras, dando trombadas em mesa, chutando vaso de plantas e como uma baita alma penada atrás e ainda fazendo HU! HU! Coisa de doido. De arrepiar!
Pois naquela noite exata aconteceu. Niquinho não estava e eu não quis dormir num quartinho que havia nos fundos do quarto principal dos meus avós. Queria libertar-me, todos passam por essas aventuras, até menino "capiau" também tem essas "estripulias". A revolta da adolescência também acontecia por lá e naquela época. Não deu outra!
A magra descobriu que eu estava sozinho ou ela me induziu a isso, provavelmente interferiu na minha vontade e me fez tomar aquela drástica decisão. Acordei, não sei a que horas, com a maldita jogando pedras dentro do meu quarto. Não era sonho, não! Verdade! As pedras rolavam pelo telhado e caiam no soalho do quarto e pareciam ter uns dez quilos. Cobri-me todo. Suava que nem cavalo de corrida. A sensação era de flutuar. Cabeça coberta e nem assim eu tinha coragem de abrir os olhos. Só estava esperando o momento dela me agarrar. Ela só me estava gozando, fazendo um leve aquecimento, mas ela me pegaria!
Caiu mais uma! Estava demais! Pensei comigo: se cair mais uma, eu me arranco, nem que tenha de ir dando peitada ou passar por dentro dela por esta casa afora. O maior medo era sair debaixo da coberta. Achava que ela me acuava para eu sair e então me dar aquele abraço gelado. E não demorou muito, bam! Outra pedra ou sei lá o que, caiu. Me mandei! Não sei como cheguei lá, mas fui!
Bati à porta do quarto do vovô. Primeiro ele achou que eu estivesse sonhado. Não estava. Eram mesmo pedras caindo dentro do meu quarto.
Ele pegou uma lanterna, foi na frente e eu com meu coração disparado, saí atrás, coladinho nele para não dar chance da magrela ficar entre nós dois. Ele tinha certeza de que não acharia nada, puro medo meu.
Iluminou o assoalho e lá estavam as pedras. Mixuruquinhas, mas havia pedras no meu quarto. Não daquele tamanho que eu imaginara, mas lá estavam elas, eu não estava sonhando ou mentindo para justificar meu medo na primeira noite de "macheza" pura e dormir ali sozinho.
Virou o facho da lanterna para cima e descobriu a alma penada: uma bruta ratazana tentando fazer seu ninho na cumeeira da casa e jogando para o chão resto do reboco que ali fora colocado para segurar as telhas.
Mas para evitar que toda aquela algazarra pudesse ter despertado alguma assombração de verdade zanzando por ali e sem mais nada o que fazer, resolvi juntar as minhas coisas e pousar no quartinho do vovô. He! he! Sabem como é! Eu esgotei toda a minha testosterona com aquelas três pedrinhas e nem tinha mais adrenalina no estoque para aguentar outra carga daquelas! Adrenalina de adolescente "capiau" daquela época era usada em sufoco de assombração, mula sem cabeça e coisas do gênero! Eta mundão! Como as coisas mudaram!
Será que ainda hoje há alguma criança acreditando em mula sem cabeça?