CAÇANDO TATU
Contos  |  Segunda-feira, 6 Dezembro, 2021 19:28  |  Visitantes e Leitores: 1506  |  A+ | a-
Dirceu Badini

A caçada de tatus tem uma particularidade interessante, pois não se usa arma de fogo e, na maioria das vezes, somente foice, facão ou cacumbu. Geralmente os caçadores visam pegar o bicho vivo, tirando-o da toca.
Somente caçavam à noite, aguardando uma bem quente e de lua cheia, para facilitar a locomoção pelos morros e matos. Sempre levam um ou mais cachorros a fim de encontrar o esconderijo mais rápido. 
Os tatus são bichos de hábitos noturnos e se alimentam de insetos e raízes. Durante o dia ficam dentro das tocas por eles cavadas na terra. Nunca habitam furnas de pedra e geralmente cavam os buracos próximos ao lugar onde abunda alimentação. Não são bestas e já aprenderam nesses milhões de anos que vivem sobre esta Terra que, estando próximo da boia, poupam energia na procura do alimento e a fuga é facilitada com a toca não muito longe deles, já que não são nenhuma maravilha em uma corrida à frente dos cães.
É muito difícil que um cão pegue um tatu correndo pelo mato. Geralmente eles o localizam já dentro das tocas e ficam acuando, tentando escavar a entrada do buraco, movidos pelo seu instinto e faro aguçados. Qualquer caçador experiente saberá interpretar o latido e saber se há algum na mira.
Existem alguns métodos para tirá-lo de lá. O mais usado é cavar bem adiante e na mesma direção do buraco feito pelo bicho. Deitado com o ouvido colado ao chão o caçador ouve o ruído da sua escavação debaixo da terra e pode precisar onde cavar. Geralmente não erram neste cálculo.
Outra forma é fazer uma cerca de bambus com lascas de um metro de altura, em média, e cercar a entrada do buraco, de tal modo que a cerca forte ficasse exatamente com o mesmo diâmetro do orifício de entrada. Enche-se de terra seca a furna do condenado até a metade daquele túnel de bambus postado na vertical. Pode ir para casa. O bicho quando percebe que está fechado lá dentro, cava a terra colocada e a joga para trás até atingir a superfície.
Chegando lá, ele se vê dentro daquela cerca justinha ao diâmetro do seu corpo. Para trás não pode ir, o buraco está cheio de terra e ele não consegue se virar para cavar de volta e procurar outra saída. O jeito é ficar ali esperando o caçador vir apanhá-lo.
Também é possível retirá-lo enchendo a toca com água. É o tipo de caçada menos usada porque tatu que fez buraco perto de água fácil já ficou a milhões de anos para trás. A evolução não brinca em serviço e tatu burro já era e se estão aí, sem dúvida, porque aprenderam muito bem a lição e não vão fazer a besteira primária de cavucar tocas perto de rio ou o que o valha.
Mas o Zé não era um caçador de tatus. Era o campeiro lá da fazenda. Subia aquele morro em direção à matinha porque a vaca "Sabaúna" amoitou a cria. Ela sempre fazia isso e, em todas as vezes que paria, ele já se preparava para procurar o bezerro escondido. Por vontade própria, sua cria nunca apareceria no curral.
Junto foi o Fuzil, cachorrinho sacana, muito esperto. Zé sabia que não devia levar cachorro para procurar cria de vaca parida, mas como evitar que aquele danado o acompanhasse? E, com seu faro, achou uma cova fresquinha de tatu. Pelo aspecto, qualquer bobo por lá saberia disso, aquela cova fora aberta naquela noite e estava rasa, pelo volume de terra do lado de fora. O Tatu estava ali pertinho e o Zé ficou tentado. 
Canja demais. Chance dessas não se perde. Zé ficou de “cata cavaco” e enfiou o braço. Nada! Deitou no chão e se espichou todo, quase enfiando o lado direito da cara na terra e encontrou o bicho. Travou-o pelo rabo e puxou. Cadê que saiu! Numa situação desta, o tatu encolhe-se e as garras e as escamas do corpo impedem que o corpo seja puxado para trás. Olha! Forçou tanto que até fez calo de sangue na mão, ralou peito, pescoço e a cara. Não conseguiu e largou para lá. Não era do ramo, se via.
Chegando daquela maneira, o pessoal achou que a "Sabaúna" teria dado uma esfrega regrada no pobre Zé. Mas ela não era disso, tinha ciúmes da cria, mas não era de pegar tão forte assim. Depois de contar a história, a comadre Maria que estava, por acaso, lá na sua casa quase desmaiou de tanto rir:
 – Mas compadre Izé! Ocê ainda num sabe como é que tira tatu da toca, rapaz? Ocê puxa pelo rabo dele forte como ocê fez e enfia o dedo no furico do bicho. Ele treme tudinho, depois frouxa, fica mole, esquece de enfiar as garra no chão e ocê tira ele pra fora. Facim, facim! Argum deslavado ainda vem com a cara mais safada do mundo e virando os zoinhos, num sabe?
 – Ieu num sei de nada, não sinhora! E se for de precisão ieu enfiar o dedo lá nele donde a senhora falô, ele vai morrer de véio e barbudo dentro daquele buraco, porque num quero saber nada desse negócio de tremura, virar zoinho, essas coisas aí, não sinhora! Ta doido, homi! To sartano de banda!
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