CINTO PRETO
Contos  |  Sexta-feira, 26 Novembro, 2021 8:01  |  Visitantes e Leitores: 1453  |  A+ | a-
Dr. Dirceu Badini
 
Se um dia aparecer um concurso para saber quem seria o cara mais atrapalhado em combinar cores, entender de moda, tendências no mundo do paisagismo, jardinagem e por ai afora, podem votar em mim e não se arrependerão. Ganharão disparados. Pule de dez. Não tenho a menor queda para o assunto e, o pior! Não tenho também nenhuma vontade de aprender. Sou grosso de verdade. Assumido!
Esse negócio de moda é uma graça. Vive mudando tudo. Essa cor não combina com aquela neste ano, mas no passado já combinou e no futuro, sem medo de apostar e perder, vai acontecer. E quando você quer argumentar, não há discussões: é assim por que o fulano que é bamba em alta-costura disse que é, estamos falados e quase todos seguem sem contestação.
Por este motivo adotei há muitos anos o uniforme de médico para trabalhar no consultório: todo branco. Não dá erro. Enfio-me dentro daquilo e estou divinamente vestido a caráter e ninguém pode duvidar da minha enorme criação artística e do old fashion do bem-vestir. Verdade? Engano! Veja se eu não tenho motivos de sobras para chiar, espernear e etc.
Trabalho há dez anos na Faculdade de Medicina de Teresópolis, no setor de pós-graduação em Oftalmologia. Dou a minha contribuição, de muito bom grado à formação de futuros oftalmologistas, com a minha experiência. Ao mesmo tempo encho-me de vaidades e apuro meu comportamento por conviver com oito pessoas muito mais jovens do que eu e que têm o mesmo ideal como o deste modesto esculápio há mais de quarenta anos. Muito interessante, demasiadamente proveitosa esta faceta da minha vida. Se eu soubesse, escreveria um livro sobre isto aí.
Bem, vou para lá vestido com o meu uniforme de trabalho: camisa, calça, meias e sapatos brancos. Mas na volta há sol forte e eu gosto de usar um boné. Aliás, sou fissurado por bonés. Tenho uns vinte... Ou mais! Boné e canivete: é comigo mesmo. Eu também tenho direito de ter manias, afinal sou neto do mor João Badini. Que pena que o mundo ou as adversidades incomuns não lhe deram a oportunidade que deveria ter. Mas valeu somente como um simplório e considerado pela sociedade moderna um rude ser humano que viveu e sobraram dele exemplos de como se deveria ou poderia viver o viver.
Da primeira vez que usei para aquela viagem, escolhi um branco. Julguei estar impecável, mas tive a surpresa de chegar à minha casa, a Isa olhar e começar a rir. Já disse isto: quando ela acha uma coisa ridícula nas minhas vestimentas não fala nada, mas dispara a rir. Entendo muito bem essa linguagem. Tenho a impressão de que ela estava vendo à sua frente um enorme saco de farinha de trigo. Nunca mais usei o boné branco.
Numa conversa com meu amigo Coutinho, professor titular da cadeira, relatei e reclamei do meu péssimo gosto para vestir, combinar coisas e me referi ao boné. Nem precisei terminar a minha frase. Ele a cortou e concordou inteiramente com a Isa. Cacete! Ele também sabia e eu não!
Então eu já tomei uma decisão: quando puder, vou somente usar bermudas, pés descalços e sem camisa. Com certeza vou acertar em todas, pois sendo eu de cor branca, qualquer outra coisa combina. Ou não combina? Já estou cheio de dúvidas. Confesso não ter nenhuma personalidade quando se trata dessas coisas.
Semanas atrás eu tinha de ir a uma reunião de médicos. Naturalmente não deveria ir de branco, pois se tratava de uma reunião social. Chega! Toda a semana vestido assim! Seria num sábado, mas atualmente a gente está ficando no sítio nos finais de semana, terminando a construção de uma pousada para minha filha caçula. 
Antes de irmos, Isa escolheu a camisa, a calça e colocou-as estendidas sobre a nossa cama. A calça era marrom e recomendou muito para que eu usasse meias, sapatos e também cintos marrons. Repetiu vezes. Procura dali, procura daqui e não achou o cinto. Chegamos à conclusão de que estaria na roça e eu o traria para completar a vestimenta.
Chegando lá, foi logo procurar o bendito. Achou, colocou-o dentro de uma bolsa, mostrou-me e recomendou uma dezena de vezes para não me esquecer. Falar demais, recomendar idem, dá azar. Na hora de me preparar para sair, cadê o cinto? Maria corre pra lá, corre pra cá, procura numa bolsa de roupas e nada. Não! Não estava naquela sacola plástica, estava na bolsa de couro, eu vi, ela me mostrou um montão de vezes.
Procurar outro cinto. A Maria teve a ideia de ver no guarda-roupa do meu genro e encontramos dois, mas a medida... Faltavam mais de palmo para as duas pontas tocarem. De novo sugestão da Maria: pedir emprestado a um vizinho. Não! De jeito nenhum! Mico maior ainda. 
Resolvi: vou de cinto preto mesmo! Que se danem! Depois aguento as risadas da Isa e tudo bem. Peguei o maldito. Joguei em cima da calça como já a assisti em muitas ocasiões, recuei e fiquei observando como a combinação se comportaria. 
Não sei se por influência ou porque já estou ficando com certo complexo em relação a isso, achei simplesmente horrível. Aquilo se parecia tal qual uma cobra jararaca, cascavel, coisas do gênero. Solução mais lógica, na minha visão: não ir àquela reunião (a bem da verdade, não sou muito chegado).
Voltei ao sítio. A primeira pergunta, evidente, foi como teria sido o encontro. Expliquei com detalhes o que aconteceu e, ta na cara, esperei pela aprovação sobre minha atitude, julgando a poupar de um vexame dos mais importantes, na visão dela, claro. Rapaz! Foi assim, na bucha:
 – Ué! Por que você não foi com o cinto preto?
Ah! Não! Desisto!
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