BAINHO
Contos  |  Sexta-feira, 31 Março, 2023 19:28  |  Visitantes e Leitores: 1216  |  A+ | a-
Dr. Dirceu Badini

Bainho era o cavalo que vovó Zipina usava nas suas viagens. Num sabe o que é um cavalo baio? Cavalo pode ser branco, preto, alazão (marrom, avermelhado), rosilho (assim como o meu cabelo: nem preto nem branco), branco com bolas pretas ou marrons (pampa, cavalo de índio) e baio... Baio... Não sei definir! Como ele era pequeno, bainho. Manjou?
Por duas vezes acharam que ele ia pra cucuia: uma devido ao tétano e a outra, na mesma ocasião, pela quantidade de injeções que meu avô aplicou nele. Escapou das duas, mas ficou com os quartos emperrados e raspava a ferradura no chão, gastando-as mais na frente do que no rompão, o oposto do que normalmente acontece.
Vovó só montava o Bainho dada a sua mansidão. Não sei não, pois pequeno daquele jeito e levando nas costas aquela italiana imensa, pesadona, não tinha como se comportar de outra maneira. Minha avó não batia nele ou usava esporas e assim ele tinha mais é que agradá-la sem outras reivindicações.
Quando eu fui estudar no grupo escolar do Valão, montei o Bainho. Ele era marchador, mas um tremendo sacana. Aquele puto entendia muito bem o que fazia. Não era nenhuma besta, claro! De manhã eu ia buscá-lo no pasto. Época do frio, capim gordura alto, florido, grudento. O danado tava lá em cima; nunca me esperava no curral. Eu chegava, conversava com ele e me dava muita atenção, só vendo! A ponto de parar de mascar o capim fresco. Botava o cabresto na sua cabeça e me acompanhava morro baixo.
Isso quando ele estava de bom humor. Sempre mantinha a mesma atitude: quieto, tranquilão, até eu tentar colocar o cabresto. Então, desabalava numa carreira de dar gosto ver e para me gozar, ainda dava popadas e brindava meu olfato com outros acessórios fedorentos. Corria para o outro lado do pasto, lá pro lado da Tapera. Eu atrás! Xingando tudo o que sabia, claro!
Não havia pastos divididos, piquetes, nada. Era tudo emendado, com pouco gado e capim sobrando, pois meu avô dedicava-se mais a agricultura e agroindústria. O filho da mãe ia lá pro caixa-pregos. Quando eu chegava perto... Mais correria! Só vinha pra casa quando bem entendia. 
Inicialmente eu tabulava um papo amigo, dava conselhos para ele se portar com dignidade, bonzinho. Prometia que não bateria ou esporeasse, essas coisas de doido que gente normal tem dificuldade para entender. Depois de umas duas ou três vezes, eu perdia a paciência e, se pudesse, dava-lhe um cacete seguro, mas depois, estrada afora, tudo ficava bem. Esquecia tudinho, preocupado se também ele não iria piorar ainda mais no futuro. Eu, moleque de uns doze, treze anos, posto na parede, pressionado por um piquira temperamental!
Uma vez eu cismei montá-lo em pelo. Como não sabia fazer e nem colocar barbicacho, ia guiá-lo somente pelo cabresto. Eu juro, gente! O pasto era imenso, cheio de capins e somente havia algumas raras moitas de grão-de-galo, com entradas apertadinhas onde os animais se serviam para aproveitar uma sombra no jeito.
Adivinhem para aonde o psicopata se meteu? E não adiantou eu puxar o cabresto, grudar nas crinas, gritar com ele, implorar. Pois foi indo moita adentro e um galho mais baixo pegou na altura do peito e me jogou estatelado no chão. Quando me sentei ele estava com o pescoço virado e me olhando fixamente. Nunca ouvi nem nunca vi um cavalo rir, mas eu aposto que aquele cretino estava dando gargalhas de mim. Filho da puta!
Chegava ao pátio do colégio, amarrava-o debaixo de uma grande árvore reservada aos animais. Afrouxava a barrigueira, retirava o freio da sua boca para aliviá-lo e ele pacientemente, esperava-me. Na saída, retornava tudo aos seus devidos lugares, montava e iniciava a marcha de mais onze quilômetros da volta.
Chuva ou sol, Bainho como que ligasse seu piloto automático e se punha a marchar. Sempre no mesmo ritmo. Carros, eventualmente circulando pela estrada, não o assustavam, como acontecia com outros que empinavam, pegavam manha, criando o maior banzé. 
Chegando, antes de mim, eu tinha de tratar dele. Retirava o arreio e os outros paramentos, lavava seu lombo do suor e dava um pouco de milho. Mais tarde soltava-o no pasto logo ali perto, tendo às vezes a cooperação de algum funcionário disposto a me dar ajuda. No dia seguinte, começar tudo de novo. Saco! 
Desculpem-me os amantes da equitação, mas pra mim, chega!
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