PADRINHO
Crônicas  |  Sexta-feira, 5 Agosto, 2022 13:03  |  Visitantes e Leitores: 1732  |  A+ | a-
Dr. Dirceu Badini

Que tarefa, hein? Você me botou na parede, uma tranca danada! Como você sabe, não sou muito amarrado nessas coisas de tradição, paassado, conservadorismo, etc. Sou um velho metido a besta, vivendo o presente e de olho no futuro, doidinho para dar um pulo até lá de vez em quando. Passado só me faz lembrar as coisas que não fiz, daquelas que eu fiz incompletas ou sempre daquelas que não deveria ter feito. Gosto não! Relembrar o passado só me traz insatisfações, frustrações, com exceções.
Bem, mas eu tenho aqui em casa uma enciclopédia nessas coisas as quais me referi anteriormente. Sua dinda é Ph.D. em tradições, velharias e coisa do gênero. Acho mesmo que ela está mais amarrada em mim agora porque já estou mais para ferro velho. Sua primeira reação foi rir muito. Para ela, é inconcebível que eu não soubesse quais seriam as atribuições de um padrinho. E deitou falação.
Os meus neurônios têm uma capacidade enorme para se autodefender. Quando as coisas não têm muito interesse, dentro da minha lógica, eles todos se encolhem. (Lembra da figura de um neurônio? Tem o núcleo que é o corpo, várias perninhas e vários bracinhos). Se não estão ligados, cruzam todos aqueles apêndices, fecham os olhinhos e assumem atitude de um iogue em transe e ficam no maior porre da paróquia! E assim permaneceram os meus durante certo tempo até que ela me falou que o padrinho substituiria o pai no caso da sua falta (leia-se: morrer, mudar-se para a cidade dos pés juntos, vestir pijama de madeira, esticar as canelas, bater as botas e etc.).
Fiquei apavorado! Eu não tinha a mínima ideia disso. Para mim, formalidades, tradição. Os pais gostam de uma pessoa e oferecem o filhote para ser batizado e, assim, reforçam-se os laços de amizade. Bacana! Você me conhece e sabe muito bem: não fiquei satisfeito. Já pensei em mudar alguma coisa. Poderiam, pelo menos, oferecer a criança para uma pessoa mais jovem, de uns dez, doze anos. Haveria a possibilidade de afilhados e padrinhos conviverem mais, maiores chances de ter proteção mais duradoura. No nosso caso específico, eu e seu pai somos praticamente da mesma idade. Teoricamente eu vou primeiro, largo na pole, mas logo, logo ele estará na pista disputando cada curva e forçando ultrapassagem roda com roda! E se eu bobear, ele larga na frente…E já vai tarde! Hehe!
E eu fiquei matutando sobre isso. Não dá certo, não! Já bolei uma modificação nessa tradição e para isto preciso contar com a sua ajuda. Sabe como é, você na PUC, cursando Comunicação, vai sair bamba; pedra noventa, sem dúvida. Vamos precisar de muito marketing, campanhas, muitas assinaturas para conclamar os velhinhos a um plebiscito e inserir na Constituição Brasileira uma nova lei. (Repare nas palavras marketing, conclamar, plebiscito, inserir, constituição: vamos começar a nos familiarizar com elas, pois fazem parte do linguajar político; fazem parte da tática). Acho que não precisava mudar muita coisa, somente inverterem as atribuições: os afilhados teriam então a obrigação de cuidar dos padrinhos já idosos, se algum dia fosse necessário. Se não o fizessem…Justiça neles! Eu mandaria um e-mail maneiro para você solicitando uns “capixetes” e já citavam artigo vinte e dois, parágrafo dois e inciso quarto (mais palavrinhas para se guardar na memória).
Você imagina nesta terra do Deus me livre um indivíduo trabalhando a vida inteira não vai ter tempo para fraudar o INSS, traficar (corte estes: morrem cedo. Não conseguem ficar velhos), ser algum raro funcionário público sortudo, ou chegar a ser um político afamado por ter acertado tantas vezes na loteria esportiva e mais, com a ajuda de Deus. (Não acredito que Deus tenha tempo para se meter em coisas ilícitas). Vai então ter que viver de uma aposentadoria merreca, merdinha de nada, menor do que pinto de algumas criaturas e encolhendo a cada ano…Como é que fica?
Vamos imaginar o nosso caso. Há quanto tempo, por exemplo, não como aqueles queijos maravilhosos? Não bebo daqueles vinhos importados? Meu Deus do céu, já nem me lembro do gosto aquele uísque Buchanan’s ou outro do frasco escuro? O último – e bota tempo nisso! – seu pai me trouxe e bebeu quase todo com desculpas de me fazer companhia! Coisa braba! E o carro Kadet, velho e danado, cheio de grilos e ferrugem pra todos os lados? Seria só ligar e você me mandaria outro. 
Lógico! Lógico! Claro que não! Não precisaria ser nenhum dos importados, topo de linha, mas também, pelo amor de Deus, não vai mandar Twingo! Twingo, não! Tenha piedade!
Pense nisto! Acho quente! Seria o maior barato. Você colocaria uns reclames no programa “Viola, minha viola”, da TV Cultura, no programa da Hebe (só dá velho lá!) e do Ratinho e depois aproveitaria o embalo e se candidataria a um cargo eletivo, ganharia mole, mole e jogaria muito na sena, quina, nessas coisas usadas para se ficar muito rico, porque raramente políticos que se prezam, têm muita sorte no jogo. Você também, certamente, não estaria excluída! Também não é filha de Deus, com o outro?
Pense nisto! O mundo precisa de pessoas inovadoras. Reaja às muitas coisas que nos empurram goela abaixo! Vivam as afilhadas! Abaixo às tradições que não mais interessam aos velhos! He! he! Sou um crânio ou estou esclerosado?
E aí, num belo dia, eu ouviria o sininho do portão tocar, chegaria à varanda e veria o Delir com uma Ferrari Testarossa estalando de nova estacionada na rua. Eu colocaria meu boné vermelho bordado com o cavalinho rampante e sairia pela estrada feliz, feliz…Até acordar!
 
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