"FININ"
Crônicas  |  Segunda-feira, 1 Novembro, 2021 11:24  |  Visitantes e Leitores: 1503  |  A+ | a-
Dr. Dirceu Badini
Jovens!
Fico pensando se, às vezes, já fui um deles. Fico deslocado nesse tipo de pensar porque não tenho nenhuma noção se, quando estive lá, agi também com os de hoje. Dirão alguns que o tempo passou, o mundo mudou, sou preconceituoso e vai uma deslanchada e desnecessária diarreia verbal. Por quê? Sou fã deles. Vivi, sim, àquela época e deve ter sido tão intensa que os meus sistemas de armazenamento de memória não deram conta e preferiram apagá-las.
Quando assim me exprimo, quero falar daquelas em que os adultos, possivelmente recalcados, não se atinam ou não têm a coragem de agarrar o rabo do foguete. Nós, quando molecotes, fizemos das nossas, quase certo, de matar de rir os de hoje, se pudéssemos presenciar ou vivenciá-las. No meu entender, devem viver esta fase da vida muito intensamente mesmo, sabedores e cônscios de que eles têm direitos limitados, até onde não traz ou provoque nenhum mal-estar ou prejuízo a terceiros. E vivamos em paz.
Mas por motivos aparentemente fúteis, ficam sem opção e procuram inventar. Nada de mais, pois têm um cérebro ainda em desenvolvimento que precisa se exercitar para buscar cada vez mais conhecimentos e sedimentar outros recentemente adquiridos. E isso os transtorna. Buscam do mais variado modo um jeito de compensar a falta do que fazer. Acho interessante que não sentem ou têm percepção do fato. Saem em busca de novas experiências nem sempre proveitosas ou mesmo aparentemente impróprias.
A cena se desenrola num dia qualquer daqueles para nada se fazer. Não para aquele casal de jovens. Pegar o carro, sair pelo asfalto e buscar alguma coisa sem saber aonde ou o que fosse. Andaram um bom bocado pela estrada asfaltada e insossa. Seguir. Parar à beira do barranco, tomar refrigerante e comer alguma coisa daquelas que a gente madura ou chegando perto da velhice não deve mais. Voltar.
Encontraram uma estradinha de terra batida. Quem sabe por ali? Poderia guardar boas surpresas um pulo à roça, ver bichos mansos, gente diferente… Taí! Vamos nessa! E não precisaram rodar muito. À frente, sentado num toco de árvore já há muito abatida, um senhor aparentando idade elevada. O meu personagem fictício parou o carro. Desceu e se postou de frente para o senhor que fumava seu cigarrinho de palha, cabisbaixo e assim ficou apesar da poeirenta aparição aos seus pés.
 – Meu senhor! Eu já cheguei aonde quero ir?
Pausa moderada. Prudente.
 – Se o seu menino quisé fazer uma visitinha à sua mamãe, chegô não sinhô!
Nesse momento levantou a cabeça, retirou o pito da boca, ergueu o queixo o mais alto e apontou em direção à estrada que seguia adiante:
 – Logo ali, ó! Meia légua, si tanto, sabe? O sinhô põe atenção pruquê bem pertinho tem uma ponte meia capenga, de pau e pode derrapar e cair no corguinho. Intão o sinhô já avista umas casinhas lá diante. Inhante tem uma moita de bambu e loguinho, para banda de baixo, o sinhô vai avistá a casa com arpende pintado de rosa e azul; bem bunitinho, num sabe? Di envorta, muntas lampa vremeia pra enfeitar. Num tem errada. Semana passada, eu e o cumpadre Arcebide fumo lá pro modi prosear e troçar um poco com o mueiril. Sua mamãe continua gordona, sacudida…. Hehehe! Agora, se o sinhô vei aqui pra fazê um agrado pru Finim, tá nu lugar certo!
 – O que é o Finim? Quem é esse cara?
- Oia! Ele tá de oio no sinhô, todo refestelado. Tá lambeno os beiço e vesguinho de tanto oiar pru seu trazeiro. Finim, coitado, perdeu as duas muié pru modi cumê erva. Ele anda numa precisão que o sinhô nem magina. Vira divagazinho pruquê sinão ele pode ferrá o menino. Ele tá de impé com as mão em cima do pau da tranquera, doidão, espada disimbainhada e prontinha pra briga. É só eu dá orde. Hehe!
O bichim anda tão seco, coitado que astrudia ele quais matô uma galinha do terrero, num sabe? Escuitei aquela baruiada e num é que Finim tava quereno cruzar uma galinha? Ela deve ter provocado ele, sabe cumo é a muiérada? Bicho tamém faz das suas, rapaz! Cada uma fincada dele e um monte de pena voava. Coisa feia, Nossa Senhora! A coitadinha saiu mancano que nem perneta!
O sinhô faz o siguinte: arretira seu carção, vira com cuidado pra dá entrada no carro. Se ele pegar o sinhô vestido assim, vai furar essa ropa que arguém pode maginar que o sinhô levou tiro de metraiadora.
Carro levantando poeira. O velho, de espírito lavado, pega outra palha das fininhas anteriormente preparadas, passa-a dobrada pelo dedo médio como faziam os condutores do velho bonde com as notas e segura o rolinho de fumo-de-corda. Antes, amassa-o ligeira e carinhosamente para afofá-lo, leva-o próximo das narinas, cheira-o algumas vezes profundamente. Suspira fundo. Parece feliz.
Tira do bolsinho da frente da calça de brim o canivetinho já gasto de tanto ser afiado e começa a tarefa de tirar finas lâminas do fumo. Coloca-as na palma esquerda. Já tendo o suficiente, guarda o canivete e fumo. Macera aquela que picou e abre a palha. Passa-a toda pela boca e língua. Coloca ali o fumo antes preparado, espalha-o e enrola sem nenhuma pressa mais um pito. Leva a bainha da palha à boca e corre-a de encontro à língua de um lado ao outro. Cola-a.
Acende o velho companheiro de tantos e tantos anos. Levanta-se, eleva a cabeça. Olha a estrada, o horizonte, as pastagens. Vê todo o seu mundo. Sozinho de novo. Pena! A conversa estava tão boa! E abanava a cabeça algumas vezes. Sorriso baixinho: Hum! Hum! Hum! Somente se ouvia isso naquela solidão alegre do autêntico capiau. Ah! Lembrou-se de uma das traquinagens na juventude cujo final fora o mesmo. Naquela também a juventude perdeu para a experiência. Mas bem que gostaria de continuar jovem por mais uns poucos minutos. Só alguns mais.
 
 
Segunda-feira, 21 de julho de 2008
 
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