FILIPINHO
Crônicas  |  Sexta-feira, 29 Outubro, 2021 9:45  |  Visitantes e Leitores: 1385  |  A+ | a-
Dr. Dirceu Badini
 
Sou da geração sofrida com os últimos suspiros da cafeicultura no Estado do Rio. Ainda bem pequeno me lembro dos cafezais ao redor da casa da fazenda, subindo morros, enfileirados à beira do caminho rumo ao sanandu e virando a vertente para o lado do Lajeado, terras da minha avó Luciana. Os cafeeiros ocupavam todo o lado direito do caminho, serpenteando morro abaixo e adornados com muitas mexeriqueiras amarelinhas na época das frutas maduras. Até que Getúlio pagou para arrancar os cafeeiros, pé por pé. Quem haverá de esquecer?
Nós tínhamos um lugar predileto para brincadeiras junto ao cafezal. Ali nascia uma pequena fonte de água bem embaixo de uma grande árvore de castanheira. Existiam também piteiras, moita densa de esperta e certamente outras espécies de arbustos. Num lugar quente como aquele, o recanto era mais ameno e podíamos dali facilmente subir a encosta e passear entre os eitos dos cafeeiros à procura de cará para dar sabor na broa de milho com rapadura, do “jiquiri”, uma frutinha esverdeada e manchada de branco, do tamanho de uma bola de gude das grandes. Lembro-me do “jiquiri”, mas não sei exatamente o que fazíamos com ele. Jogar gude não seria, pois ninguém por lá sabia o que era uma bola de gude.
Os frutos maduros do café eram colocados no grande terreiro de terra para secar. Tudo servia para brincar e nos divertíamos em cima daquele monte de frutos, ora rolando por ele abaixo, ora enfiando o pé para sentir o calor lá de dentro e ou então - e nisto ficávamos horas e horas - procurando filipinhos.
Não sabe o que é filipinho? É o nome que a gente dá quando dois frutos estão grudados numa mesma casca, como se fossem siameses. Segundo se acreditava – os adultos mentirosos passavam essa informação – se a pessoa achasse filipinho e o guardasse, teria muita sorte. 
Será que foi a mandinga do filipinho que fez Diva parar de chorar todas as noitinhas? Curar a asma de Darcy? Não deixar Lelena ficar doente ou ter febre só para não ir à escola? Será que foi ele que deu a lata de marmelada para Mirtinha? Ou induziu o Cal presentear-me com o seu melhor canário com gaiola e tudo no dia do meu aniversário?
Pô! Achar um daqueles e ter a esperança de ganhar maçã e cheirar toda vida aquele papel, um pão fresquinho cheiinho de manteiga para a gente ficar lambendo aquilo um montão de tempo, tábuas e preguinhos para eu fazer os meus carrinhos ou chupar aqueles picolés de leite, limão ou mesmo pedaços de gelo. Os pequenos capiaus contentavam-se com pouco. Coisas tão insignificantes revigoravam a felicidade neles.
E para mim, o que deu? Saúde. Proteção. Mimo. Estou certo disto. Um moleque configurado para ser capeta, assessorado por um capeta mor – Guilherme – e chegar até hoje sem um ferimento que necessitasse sutura, sem “encanar” um osso quebrado e ainda não saber o que é tratamento de cárie ou canal, foi porque ele exorbitou. Foi muito exagero do meu guru e se tivesse somente me dado bons dentes, já teria sido o máximo do máximo porque até hoje eu tenho um verdadeiro cagaço dos dentistas.
Agora, com o correr dos anos, apareceu uma gota sem-vergonha. Sabe? Aquele reumatismo sacana que faz as juntas do pé doer pra burro sem aparente motivo e enche o saco da gente. Assim mesmo ele me segredou uma coisa que tem sido infalível.
Filipinho acha que aquilo não tem nada a ver com ácido úrico coisa nenhuma. Coisa do cérebro que, quando aporrinhado, secreta alguma substância em alguma área escondida da nossa mente, vai para o sangue e ataca os tecidos lá das articulações do pé. Questão de antígeno e anticorpo, um tipo de fogo amigo. Não entendeu, não? Deixa pra lá! Depois é que o ácido úrico ou um derivado seu deposita ali.
Coloco no copinho que torneei de um toco de óleo-vermelho um pouco de cachaça velha, da boa e deixo descansar um pouco, pego dois comprimidinhos merrecas, merdinhas de nada que ele me receitou e mando juntos pro bucho. Se você não tiver cachaça da boa, poderá quebrar o galho com um uisquinho qualquer de doze ou mais anos.
O remédio desce, acaricia e desinflama as juntas, a cachaça sobe, faz uma faxina em regra lá em cima, anima o ambiente, dá a extrema-unção ao estresse e o manda pras picas. Pronto! Em doze ou um pouco mais de horas estou novinho em folha.
O óleo-vermelho? Ah! Não tem nada a ver com a gota! Lá na roça os homens da minha idade ou mais velhos colocavam cachaça e lascas desta madeira dentro dos litros. Era a versão capiau do moderno Viagra e eles garantiam que levantava o “ego”. 
Então – não custa nada – aproveito a minha sessão de descarrego, mando sustança e dou uma reforçada no meu “ego” que já anda mais pra seis e meia do que pro meio-dia. Considero não ser muito prudente deixar permanecer esta situação. E se ele acostumar? He! He! Afinal, eu não tenho tanta certeza assim se filipinho é bamba mesmo e entende de tudo, tudo. Pé atrás, amigo! Manjou?
 


 
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