REIS
Contos  |  Quarta-feira, 12 Abril, 2023 8:18  |  Visitantes e Leitores: 1473  |  A+ | a-
Dr. Dirceu Badini

É sério mesmo: eu tinha muita vontade de ter visto, de pertinho, um rei de verdade. Não que considere os atuais sem o devido prestígio, autoridade ou tudo que o valha, haja vista o tamanho pito que um presidente de uma nação da América do Sul levou de um rei numa conferência. E se calou, sim senhor! Os de agora são como a gente normal, vestem e se portam de modo nada convencional como aqueles meus reis de antigamente: usam terno, sapatos normais, carequinhas brilhantes, dão adeusinho e assim adiante.
Os de fato eram diferentes e vistos nos cinemas, se é que ainda se exibam filmes daquela época. A suntuosidade era imensa, baitas castelos, roupagem lindas ou então reduzidas com as perninhas finas de fora e até, alguns deles mais ouriçados, usavam sapatinhos de salto alto e aquelas ridículas perucas loiras e encaracoladas. Rainhas…Ah! Cada uma! Cada perna… Deus me livre e guarde dos pecados de agora pois os de antigamente já não têm mais penitência ou rezas brabas que deem jeito! 
Sempre sérios. Não me recordo de ter assistido a algum filme desse tipo que tivesse rei soltando risinhos fracotes e comprometedores. Rei tem e deve ser duro, nem que seja somente em público. Macho. Nero foi estranho lá para eles, tocando harpa e com aquela cara de veado, mas o Calígula foi de rachar: obrigava os puxa-sacos suportar o cheirinho do Incitatus à mesa.
Uns muitos brabos, outros mais ou menos e alguns até mansos demais. Lembro-me do nome de muitos deles quando estudei história, mas um particularmente ficou mais gravado: Nabucodonosor II. Não sei bem o porquê. Em parte, porque muitos eram João, Pedro, Manoel, Luiz, Henrique e uma cacetada de nomes que nem mais me passam pela cabeça. Este foi diferente.
O Nabucodonosor construiu um palácio enorme – imagino – e os Jardins Suspensos da Babilônia. Para serem considerados uma das maravilhas do mundo, teriam sido pra lá de grandes, belos e outras opulências, porque jardim suspenso por jardim suspenso, a Vovó e a Mamãe também tinham. Mas não vou hoje misturar as coisas, deixo para outro dia escrever sobre eles.
No seu castelo havia reuniões populares uma vez por mês ou, sei lá de quanto em quanto tempo ou nem tenho certeza se existiram no Palácio para ouvir o povo e o dopar com uma bolsa família, vale disso, daquilo ou sei lá o quê mais. Ah! Sim! Esmolinhas daqui e dali…
Pressuponho hoje ter um baita salão, um trono folheado com ouro, situado em um lugar mais destacado e elevado do piso. Ali o rei sentava-se e aquele monte de puxa-sacos mais abastados reverenciando e o enchendo de presentes, todos revistados e experimentados por escravos treinados para isso. Se eu não me fiz claro, hoje não treinam aqueles cachorrinhos para encontrar drogas camufladas? Pois é! A mesma coisa.
O pessoal, principalmente algumas esposas chifrudas e amantes traídas (esquisito, não é?) se deliciavam envenenando os maridos, daí a prática de alguém experimentar o que o rei deveria comer ou beber em primeiro lugar. Houve uma mulherzinha que descobriu um veneno que não matava na hora e mandou um bocado de ex-maridos pro purgatório. Danadinha!
O rei ficava ali horas ou até mesmo o dia inteiro. Então os sábios faziam de tudo para que aquilo não se tornasse sacal para o soberano, senão… Um pescoço de menos para sustentar cabeças. Atrás havia uns homões quase pelados com uma espécie de abanador de cabo comprido para amenizar o calor real… He! He! Você que pensa! 
Aquilo poderia até servir para tal, mas na realidade era para fazer desaparecer o fedor tremendo das flatulências reais. Combinavam um sinal – como exemplo – o rei tombava o corpo pro lado direito e levantava a metade da popa. Mais depressa os rapazes abanavam, indicativo para as bailarinas de saias enormes e encorpadas entrarem rapidamente, dançando qualquer besteira em alto brado, rodopiando sem parar auxiliando na limpeza do gás e abafar o ronco do estampido. O rei segurava até certo tempo e depois… Mandava fogo.
Não sei e nem quero saber o que teria acontecido numa daquelas sessões públicas, pois houve um descompasso e o rei mandou o maior torpedo que todos fingiram não perceber, menos uma criancinha: na santa inocência, no silêncio imposto pelo “supertraque” da sua majestade, berrou com todas as forças do seu pulmão:
- Ih! O rei peidou!
Na reunião seguinte, crianças não foram permitidas; os abanadores e as bailarinas foram substituídos. Abriram concurso para sábios, conselheiros. Nunca antes, na história daquele reino, houve um concurso para o nariz de ouro. Não imagino o regulamento, mas seria castigo letal não detectar antecipadamente um pum do rei. Ah! E tem mais! Ninguém tinha o direito de “exalar” como o rei, lei imposta através de medida provisória. Penalidade? To com vergonha de falar…Ah! Colavam com “Super Bond”, entende! 
E numa sessão das solenes, bandeiras hasteadas, tropas desfilando, show de rock, o trono foi lavado, esterilizado e dedetizado à moda da casa e da época para o povão aceitar e acatar ser aquele o seu primeiro descuido. 
Aclamado, o rei nele tentou sentar, escorregou, esforçou-se além da conta e… Peidou de novo! 
– Escapuliu, ué! Declarou o porta-voz mais que depressa.

Sexta-feira, 20 de junho de 2008
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