Não sou muito fissurado em televisão, mas gasto meu tempo vendo um bom documentário. Num desses, estava assim meio morno, pouco interessado com o exposto até que o narrador se referiu a um nome meu conhecido de anos atrás: Carl Sagan. Ele tinha um programa sobre o universo, queria fazer com aqueles programas que a coisa pouco sabida por nós leigos não fosse tão misteriosa e até previsível, obedecendo às regras matemáticas rígidas, imutáveis e invioláveis. Tudo isso na maior simplicidade para que pudéssemos entender, não estando ali para se exibir ou fazer daquilo degrau para se promover. Muito mais porque – soube agora – era um dos nomes importantes da NASA.
Naquela época, nos primórdios das viagens espaciais, a empresa norte-americana lançou vários engenhos não tripulados para pesquisa sobre o nosso sistema solar. Um daqueles ficou anos vagando por aí, fazendo estripulias que até Deus duvidou. Algumas vezes ele foi obrigado a ficar em órbita de algum satélite ou planeta, dando voltas e se energizando com a gravidade para depois se soltar no espaço e continuar a viagem. Coisa de maluco que o malucão aqui baba de inveja.
Esse robô, depois da pesquisa terminada, continuaria viajando “pra-lá-do-não-sei-aonde”, para além das fronteiras da nossa galáxia e se perderia, como veio acontecer. Naturalmente, se ele foi lançado da Terra, as suas lentes ou o que fosse que serviu para “enxergar” e enviar imagens para cá, estava situado de tal forma que ficava de costas para nós. Víamos o que estava à sua frente e durante anos Carl Sagan ficou enchendo o saco do pessoal superior para promover uma manobra no robô de tal maneira virasse a sua posição e “visse” a Terra de lá, depois de terminada sua missão.
E eu vi. Naturalmente a NASA fez mais uma das suas animações artísticas, e foi deslumbrante. De longe, muito longe, a visão da Via Láctea, seu centro e do outro lado, mais ou menos no meio da banda de lá, rodeada de infinitos pontos brilhantes, podia-se ver um pálido ponto azul, como foi denominado por eles. Eu senti um tranco, uma sensação nunca percebida encarnou em mim e fiquei ali com cara de mais besta ainda em relação ao universo. Grandioso! Imenso! Incompreensível! E somente estava vendo um tiquinho de nada.
Eu e tudo mais daqui estávamos dentro daquele pálido pontinho azul dependurado tão fragilmente lá longe, resumido a um simples pixel da tela do monitor da TV. Como eu queria que todos pudessem ver e sentir a estranha sensação que tive ou perceber o quanto pequeno tudo é em relação ao universo e nós, os seres humanos, fazendo o possível, tentando e tentando apagar mais rápido ainda aquela tênue luzinha tímida.
Quase ao mesmo tempo me reportei a um estudo que fiz anos atrás sobre a visão. Durante mais de uns vinte anos eu estudei a visão e fiz de tudo para proporcionar às pessoas imagens límpidas, nítidas sobre suas retinas. Fui educado e me esforcei para isto, sem me preocupar muito com os fenômenos ocorridos no cérebro. Acho mesmo que ainda hoje nós nos preocupamos mais em prescrever lentes, operar cataratas, enfim, cuidar somente dos olhos. Importantíssimo, sem dúvidas. Sem eles não teríamos a oportunidade de ver, mas é lá no cérebro que a visão é majestade e tal a sua importância que quase cinquenta por centro de toda área cerebral tem alguma relação com o sentido maior. Nós vemos com o cérebro. E esse danado é tão maravilhoso que por vezes até danificado seu funcionamento me encanta.
O autor inglês que eu lia, para demonstrar um ponto importante da sua pesquisa, imaginou um quadro semelhante ao que eu estava vendo através daquela tela de TV. Ele imaginou Isaac Newton e o seu cão Diamond olhando o universo de um hipotético ponto no espaço. Ele, o autor, disse algo como “quanta diferença na interpretação de tudo aquilo no cérebro de cada um deles, apesar da imagem focalizada nas suas retinas ser a mesma”.
Eu imaginei, então, que Diamond fosse todos nós, humanos. Ali estávamos olhando a mesma imagem e tendo sensações muito diferentes, burras, egoísta e irresponsáveis na sua maioria. Ele, onipresente, certamente estaria também ao nosso lado lamentando a nossa estupidez; quase certo abanasse a cabeça vagarosa e negativamente, bastante deprimido com todas as mazelas cometidas pela sua criação maior em cima da fragilidade daquele singelo e pálido ponto azul.
O ser humano precisa exercer a sua inteligência e criar juízo. Ainda é tempo.